1.3 Cronologia absoluta
O lugar do Timeu no corpus platônico tem sido uma questão muitíssimo discutida, flutuando as opiniões, de um modo geral, em duas orientações principais: segundo a primeira (a mais antiga), o diálogo pertence à última fase de Platão, de que fazem parte também o Sofista, o Político, o Filebo e as Leis; de acordo com a segunda, o diálogo deverá, por outro lado, ser incluído na fase média juntamente com Crátilo, Fédon, Banquete, República, Fedro, Parmênides e Teeteto.
A primeira hipótese, a mais tradicional, foi postulada ainda na Antiguidade; Plutarco, por exemplo, acreditava que o Crítias (que mais não é do que a continuação do Timeu) não tinha sido acabado porque Platão morrera enquanto o escrevia. Desta teoria é partidária a maioria dos estudiosos. Contudo, no século XIX começaram a surgir algumas opiniões pontuais que apontavam para a inclusão do Timeu na fase média de Platão, e, já na primeira metade do século XX, Taylor admite no seu comentário ao Timeu que essa possibilidade deve ser tida em conta, até que alguns anos mais tarde esta hipótese atinge o estatuto de tese quando Owen publica um artigo em que defende a sua validade argumentando em dois sentidos – um mais formal, outro temático. Por um lado, partindo das análises estilométricas de Billig, conclui que o estilo do Timeu (e do Crítias) nada tem que ver com o dos diálogos que tradicionalmente lhe surgiam associados (Sofista, Político, Filebo e Leis), mas que, pelo contrário, estava muitíssimo próximo do dos diálogos médios, particularmente da República, do Fedro, do Parmênides e do Teeteto. Por outro lado, Owen coloca em confronto a forma como algumas teorias de Platão aparecem no Timeu e noutros diálogos da fase média, no sentido de demonstrar que este será obrigatoriamente anterior a alguns daqueles; diz, por exemplo, que o modo admiravelmente estável como a Teoria das Formas aparece formulada no Timeu é uma evidência de que a obra será mais anterior do que defende a hipótese tradicional, pois só no Parmênides foi submetida a uma refutação irrepreensível, de tal forma que seria impensável que Platão tenha redigido o Timeu após o Parmênides. Assim, conclui que o Timeu pertence ao grupo dos diálogos da fase média, imediatamente a seguir à República.
O artigo de Owen, em virtude das ousadas propostas que apresentava, obteve uma resposta imediata por parte de um outro estudioso. É Cherniss que, quatro anos mais tarde, vem desconstruir toda a sua argumentação, reforçando assim a posição da teoria tradicional. As suas conclusões, muitíssimo bem fundamentadas, apontam para que Crátilo, Parmênides e Teeteto tenham sido compostos antes do Timeu e que, mais importante, as teorias do Timeu em nada chocam com as apresentadas nos diálogos da fase tardia. Com efeito, parece-nos que as teses de Owen não se baseiam em dados suficientemente estáveis para que a hipótese tradicional seja preterida pela que propõe. Por um lado, as análises estilométricas constituem um perigo metodológico que ameaça contaminar a coerência da tarefa, pois baseiam-se numa recolha e posterior tratamento de dados de um modo estatístico, que, por se tratar de um processo linear e mecanizado, pode aduzir à investigação um sem número de pequenos erros que, imperceptivelmente multiplicados de modo igualmente estatístico, podem resultar em conclusões que roçam o ridículo: num desses estudos em que Owen se baseou, o Crítias aparece como sendo posterior ao Timeu; ainda que seja o próprio autor a confessar e a corrigir esse erro, acaba por pôr a nu as fragilidades daquele tipo de ferramenta. Por outro lado, a forma como lê o confronto das doutrinas de Platão é também falível, pois admite uma perspetiva inversa e igualmente sustentável; por exemplo, o caso que referimos da Teoria das Formas poderá ser interpretado do modo oposto: após ter sido refutada no Parmênides, Platão reformulou-a no Timeu ao acrescentar a …a ao processo de participação entre Formas e particulares. De modo análogo pensa Vlastos, ao dizer que a tentativa de Owen em colocar o Timeu na fase média fracassou, em virtude de neste diálogo ser evidente a ideia de que a Teoria das Formas é repensada. Daí que a hipótese mais segura seja a tradicional: considerar o Timeu um diálogo da fase tardia.