1.4 Cronologia relativa
Partindo, então, do princípio que o Timeu pertence à última fase de produção de Platão, vejamos de que modo se insere naquele conjunto. Mas antes disso, convém esclarecer que o lugar que ocupa nesta parte do cânone é preenchido em paridade com outra obra: o Crítias. A unidade entre as duas obras verifica-se a um nível que está muito para além do simples fato de partilhar as mesmas personagens. Logo no início do Timeu, Crítias, ao anunciar a Sócrates qual será o programa de conversações para aquela ocasião, diz muito claramente que ao discurso de Timeu se seguirá o dele próprio:
Observa, então, ó Sócrates, o programa que preparamos para a tua recepção. Com efeito, pareceu-nos que Timeu, por de nós ser o mais entendido em astronomia, e o que mais se empenhou em conhecer a natureza do universo, deveria ser o primeiro a falar, começando pela origem do mundo e terminando na natureza do homem. Depois dele, serei eu, como se dele tenha recebido os homens gerados pelo seu discurso (…)
A inclusão de ambos os discursos no mesmo programa, aliada ao gesto de Timeu no princípio do Crítias passar a palavra a Crítias, tal como fora combinado, é motivo suficiente para considerar que há uma clara unidade temática entre os dois diálogos. Para além disso, uma leitura superficial de ambas as obras será com certeza suficiente para perceber que é notória a intenção de Platão em considerá-las partes de um todo, na medida em que, em termos gerais, o Timeu se ocupa da constituição do mundo e do homem enquanto que o Crítias dá seguimento a esse projeto, ao apresentar a constituição da dimensão social, isto é, da integração do homem em comunidade no mundo. Na verdade, de acordo com algumas breves referências de que dispomos, era provável que este projeto de Platão incluísse um terceiro diálogo – o Hermócrates –, formando assim uma trilogia. Logo no início do Timeu, quando Sócrates refere Hermócrates, faz questão de o declarar competente em todos aqueles assuntos e, ao apresentá-lo nos mesmos moldes em que apresenta Timeu e Crítias, parece que também uma parte dos discursos pudesse estar reservada para ele. Essa possibilidade esclarece-se já no Crítias, quando Sócrates diz que Hermócrates será o terceiro a falar.
Tendo, então, em conta os autores que colocam o Timeu (a par do Crítias, como dissemos) na última fase, as opiniões variam um pouco em relação à posição exata do diálogo no grupo que constitui essa fase. Cornford inaugura o seu comentário ao Timeu precisamente com esta questão, dizendo que o par Timeu–Crítias segue o Sofista eo Político e antecede o Filebo e as Leis, opinião de que também partilha Brisson . Cherniss, numa postura mais contida, adianta apenas que as Leis será o último diálogo de todos, e que é bastante provável que o Timeu seja posterior ao Sofista e ao Político. Por seu turno, Rowe acredita que o diálogo ocupa a primeira posição da fase tardia, precedendo Sofista, Político, Filebo e Leis. Como é evidente, as opiniões são de tal forma variadas que não nos resta outra hipótese senão considerar apenas que o Timeu pertence, de fato, à última fase de Platão, embora não seja possível determinar com certeza exatamente que lugar ocupa nessa secção do cânone, pois os dados disponíveis são todos eles bastante discutíveis e passíveis de múltiplas interpretações.