Sobre a construção da hierarquia demonológica neoplatônica teve provavelmente influência a sugestão da passagem do Epinómis, em que Platão, ao classificar cinco espécies de seres vivos e os elementos correspondentes (fogo, éter, ar, água, terra), cita uma espécie intermediária entre os demônios etéreos e as criaturas terrestres: (196)
Quanto à espécie aérea (αἔριον γένος), que ocupa um lugar intermediário e aparece em terceiro lugar, e tem a função de mensageira e de intérprete, é necessário honrá-la com orações em reconhecimento da sua mediação favorável. Cada uma destas duas espécies de vivos é inteiramente diáfana e, por mais que se aproxime, nunca é perceptível; ambas participam de uma maravilhosa inteligência porque são dotadas de capacidade de aprender bem e de memória; conhecem os nossos pensamentos e amam maravilhosamente o que é bom e belo em nós, e odeiam o homem verdadeiramente perverso. São acessíveis à dor (enquanto o deus que possui a perfeição da sorte divina fica alheio ao prazer e à dor) e, dado que o céu está cheio de seres vivos, eles se tornam intérpretes entre eles, e informam aos mais altos sobre todos e sobre tudo, transportando-se com ágil impulso para a terra e para todo o céu. (Epinómis, 984a)
A função mediadora que Epinómis confere ao demônio aéreo corresponde perfeitamente àquela que, no Banquete (202e), é atribuída, quase com as mesmas palavras, ao amor (“qual é sua função?” “Interpretar e transmitir aos deuses algo sobre os homens…”), e é presumivelmente tal correspondência que favoreceu uma progressiva identificação entre o amor e o demônio aéreo, de que, na passagem de Calcídio — que foi quem transmitiu à Idade Média a demonologia de Epinómis — se diz que, “enquanto está mais perto da terra, é o mais idôneo para a paixão dos afetos” (Timaeus Platonis sive de universitate, op. cit., p. 97.). Apuleio — que, através da polêmica agostiniana, se tornou familiar aos pensadores cristãos — por um lado, reafirma pontualmente a função mediadora dos demônios e a sua identificação com o elemento aéreo e, por outro, classifica explicitamente Amor entre os demônios aéreos e até chega a atribuir-lhe, entre eles, uma posição eminente: “Há… um gênero mais elevado e augusto de demônios, que, livres dos toros e dos laços corpóreos, têm sob seu cuidado determinadas potestades: entre elas estão Sono e Amor…” (APULEI Madaurensis platonici Liber de deo Socratis. Amstelodami, 1662, p. 336.) (AgambenE:196-197)
LÉXICO: