theogonia

Os estudiosos designaram Arcaica a Época em cujos umbrais Hesíodo viveu e compôs seus cantos. Na Grécia, os séculos VIII-VII a.C. testemunharam a germinação ou transplante de instituições sociais e culturais cujo florescimento ulterior transmutaria revolucionariamente as condições, fundamentos e pontos de referência da existência humana: a polis, o alfabeto e a moeda. No entanto, a poesia de Hesíodo é anterior ao florescimento dessas três invenções catastróficas e, ainda que já tenha sido escrita ao ser composta, toda ela se orienta e vigora dentro das dimensões anteriores às condições paulatinamente trazidas por essas três. A polis e a moeda estão ausentes ou só pressentidas no poema a que, por sua envergadura social, agrícola e mercantil, mais elas interessariam: Os trabalhos e os dias. E o uso do alfabeto e suas consequências (cujo caráter deletério para a Memória Sócrates acusa no Fedro) estão ausentes e afastados da concepção de poesia que é exposta na Teogonia (no hino às Musas, versos 1 a 115) e que subjacentemente fundamenta tanto a elaboração como a devida fruição do poema.

A marca da oralidade não está somente nas características exteriores e formais da Teogonia, a saber:

1) nas fórmulas e frases pré-fabricadas que, combinando-se como mosaicos, vão compondo os versos em sequências salpicadas por palavras e expressões inevitavelmente retornantes;

2) na justaposição com que as sequências narrativas se associam sem que nenhuma delas se centralize articulando em torno de si as outras, mas antes tendo cada sequência narrativa um igual valor na sintaxe da narração total e podendo portanto sempre e ao arbítrio do poeta articular-se a um número quase indefinido de novas sequências;

3) nos catálogos (listas de nomes próprios) que se oferecem como um espetacular jogo mnemônico, que só a habilidade do poeta redime do gratuito e lhe confere uma função motivada e significativa dentro do contexto do poema.

A marca da oralidade está também na própria concepção de linguagem poética que Hesíodo tem e expõe nos prologais 115 versos do hino às Musas, e sobretudo no uso que ele faz desta linguagem e na plena certeza que ele tem do poder de presentificação de seu canto. (Jaa Torrano, Teogonia)

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