Sócrates — Cabe-te, agora, completar a resposta à pergunta que te apresentei. Uma vez que a retórica é dessas artes que se valem principalmente da palavra, e havendo outras nas mesmas condições, procura explicar agora como atinge sua finalidade por meio da palavra a arte da retórica? É como se alguém me interpelasse acerca de qualquer das artes que mencionei: Sócrates, que é a aritmética? Eu responderia como o fizeste há pouco, que é uma arte que se exerce por meio da palavra. E se ele voltasse a perguntar: com relação a quê?
responderia: Com relação ao conhecimento do par e do ímpar e à quantidade de cada um. E no caso de insistir: E como dizes que seja a arte do cálculo? responderia que é também uma arte que tudo realiza por meio da palavra. E se tornasse a perguntar: Com relação a quê? eu me expressaria como os redatores de decretos das assembleias do povo: Tudo o mais como antes. O cálculo é como a aritmética, pois diz também respeito ao par e ao ímpar, diferençando-se o cálculo em não considerar apenas em si mesmo o valor numérico do par e do ímpar, mas também em suas relações recíprocas. E se, depois de interrogar-me a respeito da astronomia e de eu dizer que ela também consegue tudo por meio da palavra, insistisse essa pessoa: E com que se relacionam os discursos da astronomia, Sócrates? dir-lhe-ia que se relacionam com o curso dos astros, do sol e da lua, e de suas relativas velocidades.
Górgias — E terias respondido com muito acerto, Sócrates.
Sócrates — É tua, agora, a vez, Górgias. A retórica está incluída entre as artes que se exercem e atingem sua finalidade por meio de discursos, não é verdade?
Górgias — É isso mesmo.
Sócrates — Então, dize a respeito de quê. A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retórica?
Górgias — Aos negócios humanos, Sócrates, e os mais importantes.
VII — Sócrates — Mas isso, Górgias, também é ambíguo e nada preciso. Creio que já ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeração dos bens e dizer que o melhor bem é a saúde; o segundo, ser belo; e o terceiro, conforme se exprime o poeta da cantilena, enriquecer sem fraude.
Górgias — Já ouvi; mas, a que vem isso?
Sócrates — E que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena, a saber, o médico, o pedótriba e o economista, e falasse em primeiro lugar o médico: Sócrates, Górgias te engana; não é sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens, porém a minha. E se eu lhe perguntasse: Quem és, para falares dessa maneira? sem dúvida responderia que era médico. Queres dizer com isso que o produto de tua arte é o melhor dos bens? Como poderia, Sócrates, deixar de sê-lo, se se trata da saúde? Haverá maior bem para os homens do que a saúde? E se, depois dele, por sua vez, falasse o pedótriba: Muito me admiraria, também, Sócrates, se Górgias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha. A esse, do meu lado, eu perguntara: Quem és, homem, e com que te ocupas? Sou professor de ginástica, me diria, e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto. Depois do pedótriba, falaria o economista, quero crer, num tom depreciativo para dois primeiros: Considera bem, Sócrates, se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza, tanto na atividade de Górgias como na de quem quer que seja. Como! decerto lhe perguntáramos: és fabricante de riqueza? Responderia que sim. Quem és, então? Sou economista. E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza? voltaríamos a falar-lhe. Como não! me responderia No entanto, lhe diríamos, o nosso Górgias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua. E fora de dúvida que, a seguir, ele me perguntaria: Que espécie de bem é esse? Górgias que o diga.