Górgias 505d-513c — Uma retomada da questão se impõe

Cálicles — Como és impertinente, Sócrates! Se aceitasses meu parecer, interromperíamos agora mesmo nosso argumento, ou passarias a discutir com outro.

Sócrates — E qual dos presentes consentiria nisso? Para não deixarmos inacabada a discussão.

Cálicles — E não poderias terminar sozinho a conversa, ou seja falando de seguida, ou respondendo ao que tu mesmo perguntares?

Sócrates — Para dar-se comigo aquilo da frase de Epicarmo: O que dois homens falaram antes, terei de falar sozinho? Talvez não haja outro remédio. Mas, se assim resolvermos, sou de parecer que devemos esforçar-nos para descobrir o que há de verdadeiro ou de falso na matéria debatida. E de proveito para todos fazer-se luz sobre a questão. Vou, portanto, prosseguir como me parece certo; mas se algum de vós achar que me permito conclusões indevidas, interrompa-me e refute-me. Pois não falo como quem sabe o que diz; o que faço é procurar juntamente convosco, de forma que, se me parecer que o meu contraditor tem razão no que disser, serei o primeiro a concordar com ele. Digo isso para o caso de estardes de acordo em levarmos a conversa até o fim; porém se o preferirdes, interrompa-mo­-la e separemo-nos.

Górgias — Eu, pelo menos, Sócrates, sou de opinião que não nos retiremos e que precisas completar a tua exposição, querendo parecer-me que todos os presentes pensam do mesmo modo. Estou ansioso para ver o que possas ainda acrescentar.

Sócrates — De minha parte, Górgias, eu continuaria prazerosamente a argumentar com Cálicles, até dar-lhe um discurso de Anfíone, como réplica à tirada de Zeto. Mas, uma vez, Cálicles, que não queres levar o debate até ao fim, ao menos presta atenção e interrompe-me sempre que te parecer que não estou certo no que digo. Se me provares que errei, não me zangarei, como se deu contigo a meu respeito, mas te inscreverei entre os meus maiores benfeitores.

Cálicles — Deixa isso, bom homem, e termina o que começaste.