Sócrates — Um indivíduo nessas condições não será nem amigo dos homens nem de Deus, como não conseguirá viver em sociedade; e onde não há sociedade não pode haver amizade. Afirmam os sábios, Cálicles, que o céu e a terra, os deuses e os homens são mantidos em harmonia pela amizade, o decoro, a temperança e a justiça, motivo por que, camarada, o universo é denominado cosmo, ou ordem, não desordem nem intemperança. Quer parecer-me, porém, que não dás importância a esse particular, apesar de toda a tua sabedoria, esquecido de que a igualdade geométrica tem muita força, tanto entre os deuses como entre os homens; tu, porém, és de opinião que cada um deve esforçar-se para ter mais do que os outros. E que descuras da geometria. Pois que seja. Agora, ou terá de ser refutada nossa proposição, que os felizes só são felizes pela posse da justiça e da temperança, como são miseráveis os miseráveis pela presença do vicio, ou, no caso de ser ela verdadeira, teremos de considerar suas consequências. Ora, essas consequências, Cálicles, são todas as proposições anteriores a respeito do que me perguntaste se eu estava falando sério, quando afirmei que era preciso acusar a si mesmo, ou os próprios filhos e os familiares, no caso de praticar qualquer deles alguma injustiça, para o que lançará mão da retórica. Assim, era verdade o que imaginaste haver Polo concordado por simples acanhamento, a saber, que quanto for mais feio cometer injustiça do que ser vítima dela, tanto mais prejudicial será, e que para ser orador de verdade é preciso ser justo e ter o conhecimento da justiça, o que Górgias, por sua vez, segundo Polo, só admitira por falso acanhamento.