Excertos do livro de Gaston Maire, “Platon”, trad. para português de Rui Pacheco.
Cerca de 367, a morte súbita de Dionísio o Antigo levou ao trono o seu filho mais velho, Dionísio II o Jovem. Desligado em absoluto dos assuntos públicos até à data, tendo vivido prazenteiramente e em ocupações frívolas, a sua inexperiência do poder parecia total. Díon, ao qual talvez se tenha juntado Árquitas de Tarento, fez apelo a Platão, insistindo sobre o fato de que lhe seria muito fácil exercer uma grande influência sobre o jovem tirano e, por conseguinte, levá-lo a realizar os projetos políticos que desde longa data concebera. Platão aquiesce sem hesitar, deixa a Academia sob a direção de Eudóxio e vai para a Sicília. Dionísio recebe-o muito bem e acata, ao princípio muito docilmente, os conselhos que lhe dão. Mas a autoridade que Platão e Díon queriam exercer, depressa pareceu demasiado pesada a Dionísio, tanto mais que, segundo uns, os dois amigos não escondiam a intenção de substituir este último por outro filho de Dionísio o Antigo, meio-irmão de Díon. A reação é brutal: Díon é banido; Platão, inicialmente aprisionado no palácio do tirano e guardado como refém contra qualquer expedição de vingança que pudesse ser tentada por Díon, é libertado quando Dionísio tem de partir para a guerra contra a Itália; segundo outros, deve ter prometido até regressar a Siracusa, sendo a execução desta promessa posta como condição do regresso de Díon do exílio. De qualquer modo, ele regressa a Atenas, retoma o seu lugar à cabeça da Academia durante seis anos e compõe os diálogos ditos «metafísicos»: Parménides, Teeteto, O Sofista, O Político e Filebo.
Alguns anos mais tarde, provavelmente em 361, consciente, segundo parece, do prestígio que daria à sua corte a presença do filósofo, Dionísio convida-o a voltar a Siracusa; Díon pressiona o amigo para que aceite (Carta VII, 338 e sqq.). Este, com a idade de 66 ou 67 anos, deixa então Atenas mais uma vez, acompanhado por alguns discípulos, colocando Heraclides do Ponto como suplente na direção da Academia. É possível que tenha desagradado ao seu anfitrião devido à insistência em defender Díon. Dionísio toma então um certo número de medidas arbitrárias e definitivas: apodera-se da fortuna de Díon, dá a mulher deste ao governador de Siracusa como esposa; quanto a Platão, interdita-o de sair da cidade; foi necessária uma nova diligência de Àrquitas de Tarento para que ele pudesse partir e regressar a Atenas, embarcando, aliás, num barco posto à sua disposição por Àrquitas. Na volta, para em Olímpia, onde se desenrolam os Jogos; encontra Díon; este comunica-lhe que, tendo perdido toda a esperança de ser restabelecido pacificamente nos seus direitos, concebeu o projeto de atacar Siracusa com um grupo de partidários, dirigido por alguns jovens da Academia; terá Platão tentado dissuadi-lo? Se sim, foi em vão; porque em 357, com uma pequena frota e tropas pouco numerosas, Díon desembarcou na Sicília e, estando Dionísio ausente da cidade, apoderou-se facilmente de Siracusa, de surpresa. Instalou aí uma ditadura que deveria durar três anos; a sua incapacidade e o seu autoritarismo levantaram toda a gente contra ele e até os seus primeiros partidários, de tal modo que foi assassinado pelo seu talvez mais íntimo amigo, Calipo de Atenas, que assim tomou o poder antes de ser, por seu lado, afastado por Hipariano, irmão de Dionísio o Jovem.
O golpe foi muito duro para Platão: o seu amigo, o discípulo, aquele em que vira o «filósofo-rei» possível, capaz de edificar um Estado de acordo com a justiça, tinha dado o espetáculo do falhanço político e morrera assassinado por outro dos seus discípulos! A sua velhice — tem então 75 anos — será cruelmente assombrada por isso. Escreveu a Carta VII, destinada aos pais e amigos de Díon, a pedido deles, com vista a dar-lhes conselhos para o empreendimento da restauração do poder entre as suas mãos; ele pretende apresentar nela o verdadeiro espírito do amigo desaparecido; na realidade, tudo leva a crer que ele tenta defender a sua própria causa relativamente à conduta que teve durante as suas estadias na Sicília. Não renuncia à atividade intelectual: consagra-se ao ensino, escreve as últimas obras, o Timeu, Critias e As Leis. Aliás, não abandonou contudo as preocupações políticas: será de bom grado o conselheiro dos príncipes estrangeiros que o procurarão e a sua influência exercer-se-á profundamente sobre homens como Licurgo, na sua tentativa de restabelecimento das finanças e da força militar de Atenas, tal como na reorganização da juventude… Acabava o seu último livro, As Leis, quando a morte o surpreendeu na idade de 80 ou 81 anos, em 347. Foi sepultado com grande pompa na Academia, à cabeça da qual é substituído, inicialmente, pelo sobrinho Espeusipo.
A lenda apoderou-se imediatamente da sua memória; Diógenes Laércio transmitiu-nos, entre outros, este epitáfio da sua tumba:
A terra esconde no seu seio o corpo de Platão,
Mas a sua alma está com os imortais bem-aventurados,
A alma do filho de Aríston, que mesmo os países longínquos
Honram e respeitam como um deus.