Plotino – Tratado 39,4 (VI, 8, 4) — Objeção: não é possível conceder a liberdade aos seres inteligíveis

tradução

4. — Pode-se se perguntar no entanto como o que advém segundo nosso desejo [orexis] será uma livre disposição de si [exousia], se é verdade que o desejo é levado para o que é exterior e se encontra em estado de falta. Pois é o que é desejado que porta o desejo, mesmo se é levado para o que é bom [agathon]. Além do mais, a respeito do intelecto [noûs] ele mesmo uma dificuldade se apresenta: pode-se sustentar que ele possui a liberdade [eleutheria] e a capacidade de fazer [energon] o que depende dele, na medida que ele completa o que conforme a sua natureza, se não depende dele de não produzir [poiein] este ato? Por outro lado, pode-se dizer, de maneira absolutamente justa, que as realidades situadas aí possuem a livre disposição de si, enquanto elas não conhecem a ação? Mas igualmente para as realidades que agem, a necessidade vem do exterior. Pois isto não é sem mobile que elas agirão. Por conseguinte, como a liberdade pode existir, se mesmo as realidades situadas lá se encontram submetidas a sua própria natureza?

— Muito bem, porque falar de servidão, se a gente não se encontra obrigado a seguir alguma outra coisa? Ou ainda, como o que se encontra levado para o bem seria obrigado ao passo que é voluntariamente que aspira ao bem, e que vai para ele em conhecimento de causa? Pois, se a gente se encontra levado para o que não é pom para si, o que é involuntário consiste em se desviar do bem e a se orientar para o que se sofre a obrigação. E o que é cativado, é o que não é mestre de ir para o bem, mas que, do fato da existência de uma realidade mais poderosa, se desvia disto que é bom para ele em sendo submetido a esta outra realidade. É com efeito por esta razão que se condena a servidão: não porque o escravo não possui a faculdade de ir para o mal, mas porque não tem a faculdade de ir para seu bem próprio e que é conduzido para o bem de um outro. A princípio, falar de servidão [doulos] a sua própria natureza vem a produzir uma dualidade entre o que é cativado e isto ao qual ele é cativado. Mas uma natureza simples, a saber um ato único que não se compartilha entre o que é em potência e o que é em ato, como não seria livre? Não se pode dizer com efeito que ela age segundo sua natureza como se sua realidade fosse distinta de seu ato, sendo dado que aí ser e agir são uma mesma coisa. Logo se seu ato não tem lugar nem por meio de alguma outra coisa, nem depende de outra coisa, como não estaria ela livre? E quando mesmo a expressão «depender de si» [eph hemin] não conviria, na medida que isto de que é aqui questão é superior à capacidade de depender de si, mesmo neste caso, esta realidade dependeria dela mesma posto que ela não depende de nada de outro e que nada de outro não é mestre de seu ato. E de fato, nada há que seja mestre de sua realidade, se é verdade que ela é um princípio. E se o intelecto possui um outro princípio, não é exterior a ele, mas está no Bem. Por outro lado, se o intelecto existe segundo o Bem, é com mais razão ainda que ele depende dele mesmo e que é livre; pois se se busca a liberdade e a capacidade de depender de si, é graças ao Bem. Consequentemente se age segundo o Bem, ele dependerá ainda mais dele mesmo. Ele possui de pronto, com efeito, o objeto de seu olhar, para o que é orientado e do qual ele é decorrente, ao mesmo tempo permanecendo nele mesmo, o que é para ele a melhor maneira de ser nele mesmo, se é verdade que é voltado para o Bem.

Guthrie

INTELLIGENCE HAS CONVERSION TO GOOD AND “BEING IN ITSELF.”

4. We might ask how that which is produced by a desire could be autocratically free, since the desire implies a need, and drags us towards something exterior; for whoever desires really yields to an inclination, even though the latter should lead him to the Good. We might further ask whether intelligence, doing that which is in its nature to do, in a manner conformable to its nature, is free and independent, since it could have done the opposite. Further, we may ask whether we have the right to attribute free will to that which does not do any deeds; last, whether that which does a deed, is not, by the mere fact that every action has a purpose, subject to an external necessity. How indeed could one attribute freedom to a being that obeys its nature?

We (might answer), how can one say of this being that it obeys, if it be not constrained to follow something external? How would the being that directs itself towards the Good be constrained, if its desire be voluntary, if it direct itself towards the Good, knowing that it is such? Only involuntarily does a being depart from the Good, only by constraint does it direct itself towards that which is not its good; that is the very nature of servitude, not to be able to reach one’s own good, and to be thwarted by a superior power to which obedience is compulsory. Servitude displeases us, not because it deprives us of the liberty to do evil, but because it hinders us going towards our own, from ensuing our own good, forced as we are to work at the good of someone else. When we speak of “obeying our nature,” we distinguish (in the being that obeys its nature) two principles, the one which commands, and the other which obeys.

But when a principle has a simple nature, when it is a single actualization, when it is not other in potentiality than it is in actualization, how would it not be free? It cannot be said to be acting conformably to its nature, because its actualization is not different from its being, and because, within it, essence and action coincide. It surely is free, if it act neither for another, nor in dependence on another. If the word “independent” be not suitable here, if it be too weak, we ‘must at least understand that this Principle does not depend on any other, does not recognize it as the ruler of its actions, any more than of its being, since it itself is principle.

Indeed, if Intelligence depend upon a further principle, at least this one is not external, but is the Good itself. If then it be in the Good itself that it finds its welfare, so much the more does it itself possess independence and liberty, since it seeks them only in view of the Good. When therefore Intelligence acts in conformity with the Good, it has a higher degree of independence; for it possesses already the “conversion to the Good,” inasmuch as it proceeds from the Good, and the privilege of being in itself, because Intelligence is turned towards the Good; now it is better for Intelligence to remain within itself, since it is thus turned towards the Good.

MacKenna

4. It will be asked how act rising from desire can be voluntary, since desire pulls outward and implies need; to desire is still to be drawn, even though towards the good.

Intellectual-Principle itself comes under the doubt; having a certain nature and acting by that nature can it be said to have freedom and self-disposal – in an act which it cannot leave unenacted? It may be asked, also, whether freedom may strictly be affirmed of such beings as are not engaged in action.

However that may be, where there is such act there is compulsion from without, since, failing motive, act will not be performed. These higher beings, too, obey their own nature; where then is their freedom?

But, on the other hand, can there be talk of constraint where there is no compulsion to obey an extern; and how can any movement towards a good be counted compulsion? Effort is free once it is towards a fully recognised good; the involuntary is, precisely, motion away from a good and towards the enforced, towards something not recognised as a good; servitude lies in being powerless to move towards one’s good, being debarred from the preferred path in a menial obedience. Hence the shame of slavedom is incurred not when one is held from the hurtful but when the personal good must be yielded in favour of another’s.

Further, this objected obedience to the characteristic nature would imply a duality, master and mastered; but an undivided Principle, a simplex Activity, where there can be no difference of potentiality and act, must be free; there can be no thought of “action according to the nature,” in the sense of any distinction between the being and its efficiency, there where being and act are identical. Where act is performed neither because of another nor at another’s will, there surely is freedom. Freedom may of course be an inappropriate term: there is something greater here: it is self-disposal in the sense, only, that there is no disposal by the extern, no outside master over the act.

In a principle, act and essence must be free. No doubt Intellectual-Principle itself is to be referred to a yet higher; but this higher is not extern to it; Intellectual-Principle is within the Good; possessing its own good in virtue of that indwelling, much more will it possess freedom and self-disposal which are sought only for the sake of the good. Acting towards the good, it must all the more possess self-disposal for by that Act it is directed towards the Principle from which it proceeds, and this its act is self-centred and must entail its very greatest good.