Excertos da trad. de Eduardo Sucupira FIlho do original parcialmente apresentado em seguida
Platão nasceu em Atenas, em 427 a.C, de família aristocrática, que incluía personalidades importantes da cidade, dentre outras, o primo de sua mãe, Crítias, que foi um dos Trinta tiranos. Os anos de juventude decorreram-lhe em meio a graves desordens políticas. A guerra do Peloponeso termina no ano 404, com o aniquilamento de Atenas, cujo império marítimo é destruído para sempre. No interior da cidade sucedem-se as ações oscilantes entre a democracia e uma tirania oligárquica. A democracia é derrubada, em março de 411, pela oligarquia dos Quatrocentos, que não durara senão alguns meses. Em 404, os lacedemônios forçam os atenienses a adotar o governo oligárquico dos Trinta tiranos, cujo chefe era Crítias, sistematicamente hostis à marinha e comércio atenienses. Foram destituídos em setembro de 403, e em seu lugar instituiu-se o governo democrático que devia condenar Sócrates. A obra de Platão traz o selo desses acontecimentos: instabilidade política dos governos, perigo de um imperialismo baseado no comércio marítimo, tais são os temas constantes de suas obras políticas. Em posição hostil, tanto para com a tirania de Crítias quanto para com a democracia de Péricles, ele devia procurar em outra parte, fora do meio ateniense, a possibilidade de renovação política. A morte de Sócrates foi a razão definitiva do pessimismo político que se vislumbra no Górgias (515 e).
Cerca de nove anos após a morte de Sócrates, Platão empreendeu a primeira grande viagem (390-388), que o levou, de início, ao Egito, onde não cessou de admirar a venerável Antiguidade e a perfeita estabilidade política. A seguir, esteve em Cirene, onde travou conhecimento com Teodoro, e, finalmente, entrou em contato com os pitagóricos da Magna Grécia; na Sicília visitou, pela primeira vez, o tirano Dionísio de Siracusa, e ligou-se por laços de amizade com seu sobrinho Dion. De regresso, fundou uma escola, adquirindo, próximo ao povoado de Colona, um lote de terra denominado Academia, no qual estabeleceu um santuário das musas. Esse campo tornou-se propriedade coletiva da escola, ou associação religiosa, que celebrava, anualmente, a festa das musas e perdurou até a época de Justiniano (529). Em que consistia o ensino de Platão? É difícil saber, porque a maior parte de suas obras, destinadas ao grande público, dele não devem ser reflexo. É preciso, pois, excluir essa espécie de exercícios lógicos que constituem a segunda parte do Parmênides e os começos do Teeteto e do Sofista. Se atentar-se para o fato de que tais exercícios se destinavam a comprovar o vigor lógico do estudante, e que, além disso, Platão considera a influência da palavra atuante superior à da escrita (Fedro), ou melhor, que a palavra, tal como a entende um socrático, é menos exposição continuada do que discussão, pode-se, sem dúvida, concluir que a exposição doutrinal não deve ter tido a projeção que tomou em Aristóteles.
A instâncias de Dion, empreendeu ele, em 366, uma segunda viagem. Dion esperava que ele pudesse ganhar para suas ideias o assentimento de Dionísio, o Jovem, que acabara de suceder a Dionísio, o Antigo. Mas, ao chegar, Dion caíra em desgraça e fora exilado, e Platão tornou-se, durante um ano, prisioneiro mais do que hóspede do tirano. Em 361, a pedido de Dionísio, empreendeu nova viagem a Siracusa, tão infrutífera quanto as duas primeiras: recebido muito bem e tratado com atenções pelo pitagórico Arquitas de Tarento, que o distinguiu com sua amizade, ele não conseguiu reconciliar Dion com o primo. Os dez últimos anos de sua vida foram amargados pela conspiração de Dion contra Dionísio (357). A intentona fracassou, e o amigo de Platão pereceu, tragicamente, vítima de uma conjura (353).
As cartas de Platão revelam algumas lições sobre as viagens à Sicília; mas nenhum documento desse gênero fala das relações que ele teve, sem dúvida, com os conselheiros políticos atenienses de seu tempo, notadamente com Isócrates, que também pretendia ser filósofo, que opunha seu Busíris ao panfleto de Polícrates contra Sócrates, ao mesmo tempo que criticava acerbamente certos socráticos, como o cínico Antístenes. Ora, Platão, em Fedro (278 e – 279 b), manifestara, publicamente, sua simpatia por esse retor, que, como ele, fora companheiro de Sócrates; acreditava que se tratava de um filósofo. Isócrates, espírito elevado, amigo de uma democracia moderada, inimigo da utopia política, buscava, intimamente, os mesmos fins de Platão: defesa do helenismo contra o perigo bárbaro1. Platão morreu em 348, durante a guerra que Filipe empreendia contra os atenienses, e que devia culminar com a decadência política, definitiva, da cidade grega.
Em sua longa carreira, Platão publicou numerosos diálogos, todos conservados, cuja cronologia pode, assim, resumir-se:
1o) Diálogos que precedem ou seguem imediatamente a morte de Sócrates: Protágoras, Ion. Apologia de Sócrates, Críton, Êutifron, Cármides, Laques, Lísis, República, livro I (ou Trasímaco), Hípias maior (cuja autenticidade tem sido até agora posta em dúvida) e Hípias menor, Primeiro Alcibíades;
2o) diálogo precedendo a fundação da Academia: Górgias;
3o) diálogos-programas imediatamente posteriores à fundação da escola: Ménon, Menexeno, Eutidemo, República, livros II a X;
4o) diálogos que refletem o retrato idealizado de Sócrates: Fédon, Banquete, Fedro;
5o) diálogos introdutórios de nova concepção da ciência e da dialética: Crátilo, Teeteto, Parmênides, Sofista, Político (Sofista e Político deviam ser seguidos pelo Filósofo, que ficou em projeto);
6o) últimos diálogos: Timeu, Crítias (inacabados), que devia ser seguido de Hermócrates, Leis (sem terminar, publicado após a morte de Platão, e que apresenta, em muitos trechos, o aspecto de um conjunto de notas), Epínomis.
A esses diálogos é preciso acrescentar os que foram rejeitados pela crítica moderna: Segundo Alcibíades, Rivais, Teages, Clitófon, Minos, Hiparco.
Finalmente, as treze Cartas, conservadas sob o nome de Platão, cuja autenticidade foi discutida, a ponto de serem consideradas como trechos de exercícios de retores atenienses, são hoje reconhecidas, em sua maioria, como autênticas, notadamente a longa Carta VII, dirigida aos amigos de Dion, e rica em pormenores acerca das relações entre Dionísio e Platão.
Além disso, em lugar de insistir sobre a cronologia e evolução do pensamento platônico, deve-se tentar classificar os diálogos do ponto de vista do método, como procedeu V. Goldschmidt, que diferencia os diálogos aporéticos dos diálogos conclusos. Essa divisão lógica diverge completamente das divisões cronológicas.
PLATÃO E O PLATONISMO
A partir da época que se segue imediatamente a Platão, houve desacordo quanto à significação dos diálogos. Da Antiguidade até nossos dias, doutrinas divergentes se proclamam procedentes dele. À época de Cícero, por exemplo, atribuía-se a Platão um dogmatismo análogo ao dos estoicos; outros viam nele um partidário da dúvida e da suspensão do julgamento. Um pouco mais tarde, a partir do século I, místicos e renovadores do pitagorismo acolhem-se á sombra do nome e dos escritos de Platão, e o platonismo converte-se em sinônimo de doutrina, que sobrepõe a alma ao pensamento e ao ser, unindo-a a um Bem, que é amado e apreciado, mais do que conhecido. Em contraposição, vemos no século XIX esboçar-se uma tendência fortemente defendida em nossos dias, que quer fazer de Platão um puro racionalista que identifica a verdadeira realidade com o objeto da inteligência, e ensina a determinar o objeto por meio da discussão racional, cujo modelo é emprestado aos matemáticos.2
A divergência entre essas interpretações explica-se não só pela excepcional riqueza de seu pensamento, do qual é quase impossível, ou, em todo o caso, difícil, apreender todos os aspectos do sistema, mas em virtude da forma literária dos escritos. Deve-se insistir sobre esse segundo ponto. O diálogo platônico não apresenta os aspectos didáticos, acerca dos quais os filósofos jônios e médicos hipocráticos proporcionaram o modelo. Algo parecido vê-se somente nas obras da velhice: todas as considerações de ordem fisiológica, ao final do Timeu, e boa parte das Leis constituem simples narrativas. Mas são trabalhos aos quais Platão não deu, salvo em algumas partes, forma definitiva. Tirante essas exceções, as obras de Platão revelam um aspecto que as classifica de modo inteiramente diverso. Se nas escolas socráticas, mais ou menos contemporâneas de Platão, escrevem-se diálogos, essa forma de exposição foi.quase abandonada na Antiguidade, apesar de alguns exemplos esporádicos, como os de Cícero ou Plutarco. E particularmente significativo que os neoplatônicos do fim da Antiguidade nunca imitem os processos literários do mestre e se esforcem, por todos os meios, para reencontrar no diálogo o substrato dogmático, para o que seria importante procurar reconhecer a forma literária do pensamento platônico, na medida em que interessa â interpretação de sua filosofia.
PLATON ET L’ACADÉMIE
Extrait de HISTOIRE DE LA PHILOSOPHIE, TOME I: L’ANTIQUITÉ ET LE MOYEN AGE
Platon est né à Athènes en 427, d’une famille aristocratique qui comptait des personnages considérables dans la cité, entre autres le cousin de sa mère, Critias, qui fut un des trente tyrans. Ses années de jeunesse s’écoulèrent au milieu des troubles politiques les plus graves ; la guerre du Péloponèse finit en 404 par l’écrasement d’Athènes, dont l’empire maritime est détruit pour toujours ; à l’intérieur de la cité, c’est le jeu de bascule entre la démocratie et une tyrannie oligarchique ; la démocratie est renversée en mars 411 par l’oligarchie des Quatre Cents, qui ne dure que quelques mois ; en 404, les Lacédémoniens forcent les Athéniens à adopter le gouvernement oligarchique des trente tyrans ; ces tyrans, dont le chef était Critias, étaient systématiquement hostiles à la marine et au commerce athéniens ; ils tombèrent en septembre 403 pour être remplacés par le gouvernement démocratique qui devait condamner Socrate. L’œuvre de Platon porte la marque de ces événements : instabilité politique des gouvernements, danger d’un impérialisme fondé sur le commerce maritime, tels sont les thèmes constants de ses œuvres politiques ; aussi hostile à la tyrannie d’un Critias qu’à la démocratie de Périclès, il devait chercher ailleurs que dans le milieu athénien la possibilité d’un renouveau politique La mort de Socrate dut être une raison définitive du pessimisme politique qui se fait jour dans le Gorgias (515e).
C’est neuf ans après cette mort qu’il entreprit son premier grand voyage (390 388), qui le conduisit d’abord en Égypte, dont il n’a cessé d’admirer la vénérable antiquité et la parfaite stabilité politique, puis à Cyrène, où il fit connaissance du géomètre Théodore, enfin en Grande-Grèce où il rencontra les pythagoriciens, et en Sicile où il visita pour la première fois le tyran Denys de Syracuse et se lia d’amitié avec son neveu Dion. C’est en revenant qu’il fonda son école ; il acheta près du village de Colone un fonds de terre appelé Académie, sur lequel il établit un sanctuaire des Muses ; ce fonds devint la propriété collective de l’école ou association religieuse qui célébrait annuellement la fête des Muses ; elle le garda jusqu’à l’époque de Justinien (529). En quoi consistait l’enseignement de Platon ? C’est ce qu’il est difficile de savoir, parce que la plupart de ses œuvres, destinées à un large public, n’en doivent pas être le reflet ; il faut en excepter pourtant ces sortes d’exercices logiques que sont la seconde partie du Parménide et les débuts du Théétète et du Sophiste ; si l’on fait attention que ces exercices sont destinés à éprouver la vigueur logique de l’étudiant, que, en outre, Platon considère l’influence de la parole vivante comme bien supérieure à celle de l’écrit (Phèdre), enfin que la parole, tel que l’entend un socratique, est moins exposé suivi que discussion, nous pouvons sans doute conclure que l’exposé doctrinal ne doit pas y avoir eu la place qu’il a prise chez Aristote.
Il fit en Sicile, en 366, sur des instances de Dion, un second voyage ; Dion espérait qu’il pourrait gagner à ses idées Denys le Jeune qui venait de succéder à Denys l’Ancien ; mais à son arrivée, Dion était disgracié et exilé, et Platon fut plutôt, durant un an, le prisonnier que l’hôte du tyran. En 361, sur les instances de Denys, nouveau voyage à Syracuse aussi infructueux que les deux premiers : reçu magnifiquement, choyé comme ami du pythagoricien Archytas, tyran de Tarente, il ne put réconcilier Dion avec son cousin ; les dix dernières années de sa vie furent assombries par la conspiration de Dion contre Denys (357) ; la tentative échoua, et l’ami de Platon périt, tragiquement victime d’un complot (353).
C’est aux lettres de Platon que l’on doit quelques renseignements sur ses voyages en Sicile ; aucun document de ce genre ne parle des rapports qu’il eut sans doute avec les conseillers politiques athéniens de son temps, notamment avec Isocrate, qui, lui aussi, prétendait être un philosophe, qui opposait son Busiris au pamphlet de Polycratès contre Socrate, mais qui critiquait assez violemment certains socratiques, comme le cynique Antisthènes. Or Platon, dans le Phèdre (278e 279b), a manifesté publiquement sa sympathie pour ce rhéteur qui, comme lui, avait été compagnon de Socrate ; il pense qu’il y a en lui un philosophe ; Isocrate, esprit sage, ami d’une démocratie modérée, ennemi de l’utopie politique, avait au fond le même but que Platon, la défense de l’hellénisme contre le danger barbare . Platon meurt en 348, pendant la guerre que Philippe avait entreprise contre les Athéniens et qui devait aboutir à la décadence politique définitive de la cité grecque.
Dans sa longue carrière, Platon a publié un très grand nombre de dialogues, tous conservés, dont la chronologie peut être ainsi restituée :
1° Dialogues précédant ou suivant immédiatement la mort de Socrate : Protagoras, Ion, Apologie de Socrate, Criton, Euthyphron, Charmide, Lachès. Lysis, République, livre I (ou Thrasymaque), Hippias, I et II ;
2° Dialogue précédant la fondation de l’académie : Gorgias ;
3° Dialogues programmes suivant de peu la fondation de l’école : Ménon, Ménexène, Euthydème, République, livres II à X ;
4° Dialogues contenant le portrait idéalisé de Socrate : Phédon, Banquet, Phèdre ;
5° Dialogues introduisant une nouvelle conception de la science et de la dialectique : Cratyle, Théétète, Parménide, Sophiste, Politique (Le Sophiste et le Politique devaient être suivis du Philosophe, qui est resté en projet) ;
6° Derniers dialogues : Timée, Critias (inachevé), qui devait être suivi de l’Hermocrate, Lois (œuvre inachevée publiée après la mort de Platon, et qui présente en beaucoup d’endroits l’aspect d’un recueil de notes), Épinomis.
Il faut ajouter les noms des dialogues rejetés par la critique moderne : Alcibiade, I et II, Les Rivaux, Théagès, Clitophon, Minos.
Enfin, les treize Lettres conservées sous le nom de Platon, dont l’authenticité a été attaquée, au point qu’elles ont été considérées comme des morceaux d’exercice de rhéteurs athéniens, sont aujourd’hui reconnues authentiques pour la plupart, notamment la longue lettre VII, adressée aux amis de Dion et remplie de détails sur les rapports de Denys et de Platon.
G. MATHIEU, Les idées politiques d’Isocrate, 1925, pp. 177-181. ↩
CÍCERO, Últimos acadêmicos, I, 15-18; APULEIO, O Deus de Sócrates; NATORP. Platos Ideenlehre, 1903. ↩