Excertos de “Giovanni Reale e Dario Antiseri – História da Filosofia Vol I”
Platão denominou essas causas de natureza não-física, essas realidades inteligíveis, principalmente recorrendo aos termos Ideia e Eidos, que significam “forma”. As Ideias de que falava Platão não são, portanto, simples conceitos ou representações puramente mentais (só muito mais tarde o termo assumiria esse significado), mas representam “entidades”, “substâncias”. As Ideias, em suma, não são simples pensamentos, mas aquilo que o pensamento pensa quando liberto do sensível: constituem o “verdadeiro ser”, “o ser por excelência”. Em breve: as Ideias platônicas são as essências das coisas, ou seja, aquilo que faz com que cada coisa seja aquilo que é. Platão usou também o termo “paradigma” para indicar que as Ideias representam o “modelo” permanente de cada coisa (como cada coisa deve ser).
Entretanto, as expressões mais famosas utilizadas por Platão para indicar as Ideias são indubitavelmente “em si”, “por si” e também “em si e por si” (o belo-em-si, o bem-em-si etc), frequentemente mal compreendidas, a ponto de se terem tornado objeto de ásperas polêmicas já a partir do momento em que Platão acabava de cunhá-las. Tais expressões, na verdade, indicam o caráter de não relatividade e de estabilidade, o caráter absoluto das Ideias. Afirmar que as Ideias existem “em si e por si” significa dizer, por exemplo, que o Belo ou o Verdadeiro não são tais apenas relativamente a um sujeito particular (como pretendia, por exemplo, Protágoras), nem constituem realidades que possam ser forjadas ao sabor dos caprichos do sujeito, mas que, ao contrário, se impõem ao sujeito de modo absoluto. Afirmar que as Ideias existem “em si e por si” significa que elas não são arrastadas pelo vórtice do devir que carrega todas as coisas sensíveis: as coisas belas sensíveis se tornam feias, sem que isso implique que se tornem feias por causa do belo, ou seja, por causa da Ideia do belo. Em resumo: as verdadeiras causas de todas as coisas sensíveis, por natureza sujeitas à mudança, não podem elas mesmas sofrer mudança, caso contrário não seriam as “verdadeiras causas”, não seriam as razões últimas e supremas.
O conjunto das Ideias, com as características acima mencionadas, passou à história sob a denominação de “Hiperurânio”, termo usado no Fedro, que se tornou célebre, embora nem sempre entendido de forma correta. Escreve Platão: “Nenhum poeta jamais cantou nem cantará dignamente esse lugar supraceleste (Hiperurânio). Mas assim é porque é necessário ter a coragem de dizer a verdade, especialmente quando se fala da verdade. De fato, o que ocupa esse lugar é a substância (= a realidade, o ser, ou seja, as Ideias) que existe realmente, privada de cor, sem figura e intangível que só pode ser contemplada pelo timoneiro da alma, pelo intelecto, constituindo o objeto próprio da verdadeira ciência. Como o pensamento de um deus se nutre de intelecto e de ciência pura, assim também o pensamento de cada alma que anseia por acolher o que lhe convém, alegra-se quando descobre o ser e, contemplando a verdade, dela se nutre, ficando em boa condição até que a rotação circular não a reconduza ao mesmo ponto. Durante a evolução, ele vê a justiça em si, vê a sabedoria e vê a ciência, não aquela à qual está ligado o devir, nem aquela que é diferente porque existe nos diferentes objetos que agora denominamos entes, mas aquela que é realmente ciência do objeto que é realmente ser. E após ter contemplado, da mesma forma, as outras entidades reais e ter se saciado com isso, mergulha novamente no interior do céu e volta para casa (…).”
Note-se que “lugar hiperurânio” significa “lugar acima do céu” ou “acima do cosmos físico” e, portanto, constitui representação mítica e imagem que, entendida corretamente, indica um lugar que não é absolutamente um lugar. Na verdade, as Ideias são descritas como dotadas de características tais que impossibilitam qualquer relação com um lugar físico (não possuem figura nem cor, são intangíveis etc). Logo, o Hiperurânio é a imagem do mundo espacial do inteligível (do ser suprafísico). Platão salienta com acuidade que o Hiperurânio e as Ideias que nele existem “são captados apenas pela parte mais elevada da alma, isto é, pela inteligência e apenas pela inteligência.” Em suma: o Hiperurânio é a meta a que conduz a “segunda navegação”.
Finalmente, podemos concluir que, com a teoria das Ideias, Platão pretendeu sustentar o seguinte: o sensível só se explica mediante o recurso ao supra-sensível, o relativo mediante o absoluto, o sujeito a movimento mediante o imutável, o corruptível mediante o eterno.