Excertos da tradução de História da Filosofia, de Émile Bréhier, por Eduardo Sucupira FIlho
Os diálogos dão-nos a conhecer a doutrina de Platão. Aristóteles conservou (Metafísica, M. 7 e 8), felizmente, alguma coisa de seu ensino oral, se bem que seja difícil desemaranhar o pensamento de Platão dessa exposição feita com intenção crítica, sempre entremeada das teses de seus sucessores na Academia. Resulta, pois, que ao fim de sua vida tenha Platão concebido as ideias como números, mas números diferentes dos utilizados pelo matemático. Que são os números ideais? Por que Platão substituiu-os ou os superpôs às ideias? E, além disso, como se distinguem os números matemáticos? Os números matemáticos formam-se de unidades iguais entre si, e resultam da adição dessas unidades. Ora, vê-se no Filebo e no Timeu que Platão manifesta predileção pela geração de números feita de outra forma que não seja por progressões ou inserção de três espécies de meios proporcionais: aritmética, geométrica e harmônica (Timeu, 31 e sq). Sua atenção tende a concentrar-se mais sobre as relações numéricas do que sobre os próprios números. A música pitagórica proporciona-lhe a visão da essência das coisas nas relações numéricas, muito mais do que nos números. A teoria dos números ideais parece ser uma tentativa de encontrar os tipos de relações mais gerais. Esses números, diz-nos Aristóteles, não resultam da adição, dado que suas unidades não se podem adicionar, mas da união de dois princípios, o Uno e a díade indefinida do grande e do pequeno (M. 7, 1081 a. 14). Essa díade nada mais é do que a relação plenamente indeterminada e fluente, de que o Filebo (24 c -25 a) nos dá exemplos. Quanto ao Uno, sabe-se por uma tradição célebre, que Platão o identificava com o Bem1. Ora, a função do Bem, de acordo com o Filebo, é de introduzir relações fixas entre as coisas, o que é possível mediante a medida. O Uno de Aristóteles e o Bem da lição platônica parecem idênticos à medida que o Político (284 d) considera como ponto de partida da dialética. O Uno é aquilo que permite medir; é o termo incondicionado, além do qual é impossível avançar. Segundo Aristóteles, é dessa maneira que o grande e o pequeno, desiguais em essência, podem ser igualados mediante a aplicação do Uno, e assim obter-se-á a díade ideal, composta de dois termos relacionados: não agregando uma unidade à outra, mas igualando a relação indeterminada à unidade. Sem chegar ao complicado modo de produção de números ideais2, que Platão segue até a década ideal, vê-se, pelo exemplo da díade ideal, que os números ideais são, antes de tudo, relações fixas. É muito natural imaginar que esses números ideais são o princípio do modelo eterno do mundo, de que nos fala no Timeu (28 b), do mesmo modo por que a alma, composta de esquemas geométricos, combinados de acordo com certas relações numéricas, é o princípio do mundo sensível. O “vivente em si” (30 a) parece designar a realidade inteligível, que compreenderia, abaixo dos números ideais, as espécies inteligíveis; assim como o mundo, vivo, animado e inteligente, compreende, abaixo da alma, o corpo. Em todo caso, é certo que Platão orientava suas investigações para as leis de combinação dos mistos.
Segundo Aristóxeno (contemporâneo da Aristóteles), em seus Elementos de Harmonia, II, p. 30. ed. Meibom. ↩
Não existe, por outra parte, qualquer interpretação segura dos obscuros textos de Aristóteles sobre a questão (cf. L. ROBIN, Théorie platonicienne etc., pp. 276-286). ↩