De que forma é que a reprodução imitadora (mimesis) pode distorcer completamente todos os fenômenos afins à «prática humana»? Qual é a relação mimética que temos com o sentido da situação humana (praxis)? Ou, antes, de que forma podemos aceder autenticamente ao sentido de uma determinada situação por que passamos, criando-a ou caindo nela? Esta pergunta é feita, nesta passagem da República, procurando apurar como é que os poetas trágicos apresentam a condição humana (praxis), porquanto temos ouvido de alguns que aqueles percebem de todas as técnicas. Comportar-se-á a tragédia como uma «imitação de uma aparição» e não como uma «verdadeira desocultação» do que acontece? Será ela só relativa ao modo como as diversas situações nos surgem , e, assim, uma forma distanciada da verdade acerca da «excelência» , ou, antes, relativa ao que é tal como acontece? É a sua «produção» possível mesmo só conseguindo, de cada coisa, tocar numa pequena parte, sendo esta um simulacro? Será possível à tragédia, mesmo não percebendo nada das artes humanas que «representa», ainda assim, imitá-las?
No centro da discussão está a possibilidade de se fazer uma reprodução imitadora (mimesis) daquelas coisas que se conhecem e de se atingir aquilo que irá ser imitado (to mimethesomenon), conseguindo diferenciá-lo do que é um mero simulacro (to eidolon). Tem de se examinar, portanto, se o modo de tematizar a «excelência» não se encontra também três vezes distanciado dela , e se Homero não é um «produtor de simulacros» . A pergunta é agora, por conseguinte, se os poetas não são imitadores do «simulacro da excelência» como o são acerca de todas as outras coisas sobre as quais escrevem, e se, portanto, não tocam na verdade.
Se os poetas trágicos «percebem de todas as artes», então sabem de «todas as coisas que concernem ao humano, a respeito da excelência e da sua perversão» . Se não, estão «afastados» da realidade, a um distanciamento dos fenômenos do horizonte humano (praxis) idêntico àquele que se pode constituir relativamente aos entes por natureza (physei). «A reprodução (mimesis) imita os homens a passar por situações constituídas compulsivamente ou por vontade própria; a partir do seu agir, pensam ter passado bem ou mal; uma vez que em todas as situações (pragmata) por que se passa o humano encontra-se numa depressão dolorosa ou alegra-se». Na dimensão horizonte humano (praxis), também os elementos intervenientes são passíveis de uma afectação fenoménica que não nos deixa a possibilidade de saber o que de facto se está a passar connosco. O «passar bem ou mal» (eu he kakos prattein), o pensar (oiesthai) que se agiu bem ou mal (kakon) nas situações que se criam ou em que se caiu; o deprimirmo-nos e o regozijarmo-nos (lypeisthai he charizesthai) são os fenômenos práticos que, ao serem tematizados pela perícia reprodutora (mimetike), passam por um processo de distorção, que pode chegar a destruir o que de facto nos acontece. Cria-se pela perícia reprodutora (mimetike) uma distância tal relativamente à situação (praxis) humana que não nos permite acompanhar o verdadeiro sentido do que acontece nessa dimensão. Não conseguimos pôr a descoberto nada daquilo que nos afecta e que enquanto tal nos dá prazer ou nos faz sofrer, nos permite passar bem ou faz passar mal.