1. A atribuição da divindade à arche suprema é um lugar-comum na filosofia pré-socrática. A motivação parece ser dupla: o legado de um animismo primitivo, mais óbvio, talvez, no movimento de Tales no sentido de um panvitalismo (Aristóteles, De anima I, 405a) e a afirmação adicional de que «todas as coisas estão cheias de deuses» (ibid. I, 411a; ver Platão, Leis 899b e physis). Intimamente ligada a isto está a identificação da vida através da presença do movimento; a única exceção a isto parece ser Xenófanes, cuja crítica do antropomorfismo o levou a negar o movimento ao seu Deus (Diels, frg. 21A25), colocando-o nitidamente fora da tradição.
2. A equação kinesis – theion focaliza-se gradualmente em movimento regular e/ou circular (ver aither, aphthartos, ouranioi). O segundo motivo aparece explicitamente num fragmento de Anaximandro (Aristóteles, Physica III, 203b), onde o «Ilimitado» (apeiron) do filósofo é chamado theion «porque é imortal, (athanatos) e indestrutível». Aqui está uma associação direta da principal propriedade dos deuses homéricos, a sua imortalidade, com uma arche material (ver Diels, frg. 12A11 onde a ênfase épica da linguagem é ainda mais acentuada). Aristóteles passa a dizer (Physica, loc. cit.) que a maior parte dos «especuladores físicos» chamaram divina à sua arche originária. Isto parece ser verdadeiro e o processo da desdivinização parece ter começado com os ataques de Parmênides ao vitalismo do ser (ver on); se a genesis e a kinesis já não pertencem ao ser, devem ser originadas a partir de uma fonte exterior, o «motor» (kinoun) evidente de Empédocles em diante. E, com a atribuição da inteligência (nous) e da finalidade (telos) a este motor, o palco está montado para o desaparecimento do theion e para a entrada do theos na especulação filosófica; ver theos. [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]
(gr. theion) A noção de deus (theos) apresenta em Platão uma significação maior ainda que a noção tradicional que retoma para criticá-la. Na tradição grega, um deus se define como um ser imortal, por oposição ao homem que é mortal. Eis aí um traço absolutamente distintivo. Platão admite esta distinção mortal/imortal, mas ele se reapropria dela e modifica o campo de aplicação em função da estrutura de sua doutrina: tudo o que pode ser considerado como imortal se vê por ele qualificado de “divino” ou chamado “deus”. O divino abarca então não somente os deuses e os demônios tradicionais, mas também a espécie intelectiva da alma, que está presente na alma humana. (Luc Brisson)