(…) a conexão entre diálogo e democracia foi colocada na vanguarda de alguns dos mais empolgantes trabalhos contemporâneos sobre a cultura ateniense. Geoffrey Lloyd fez do diálogo democrático uma das condições de possibilidade para o iluminismo grego em seu Revolutions of Wisdom (Revoluções da Sabedoria).1. Para Lloyd, as condições históricas e políticas do diálogo democrático incentivaram o desenvolvimento da reflexão autoconsciente — perguntas de segunda ordem, uma expectativa metadiscursiva — que levou a medicina (que toda sociedade conhece) à teoria da medicina e a política (que toda sociedade conhece) à teoria política. E é o impulso em direção à teoria, acima de tudo, que distingue, para Lloyd, o iluminismo grego. Da mesma forma, a investigação de Josiah Ober sobre a retórica política da cidade clássica, um dos grandes conjuntos de evidências da ideologia democrática, enfatiza repetidamente a importância do diálogo entre a elite e as massas nas instituições da cidade, onde a produção e a avaliação de discursos eram fundamentais para a prática democrática. Sob uma luz semelhante, as tentativas contemporâneas de entender o papel social do teatro ateniense, que se seguiram ao trabalho pioneiro de Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet, enfatizaram não apenas que o drama encena o diálogo, mas também que o teatro é um meio de introduzir o diálogo nos valores sociais: abrir valores estimados para o questionamento de múltiplos entendimentos, múltiplas opiniões2. De todos esses pontos de vista, não apenas o diálogo e a democracia têm um vínculo absolutamente integral, mas as formas literárias predominantes na democracia refletem isso de forma poderosa.
Devido a essa compreensão crítica do vínculo inerente entre democracia e diálogo, é imediatamente fascinante que a figura mais evidentemente associada à invenção da forma literária do diálogo, Platão, seja alguém profundamente oposto à democracia como sistema político, e que o professor de Platão e protagonista de tantos de seus diálogos, Sócrates, seja alguém execrado pela democracia, executado de fato, pelo menos em parte, por causa de como ele dialogava. Em um determinado nível, seria fácil dizer que os diálogos de Platão refletem os diálogos que Sócrates mantinha na cidade: conversas na academia, no simpósio, no mercado. Mas Platão também desenvolve a expressão teórica mais extensa de como as formas discursivas afetam a natureza do argumento; desenvolve a crítica mais extensa da democracia, principalmente por permitir que as pessoas erradas tenham voz determinante; e desenvolve a análise mais completa do papel do discurso público como uma força política no Estado. O gênero do diálogo surge totalmente formado com uma consideração autorreflexiva, altamente sofisticada, brilhantemente articulada e executada de sua própria natureza como gênero e como prática. Boa parte do debate filosófico moderno sobre Platão é motivada precisamente pela tensão na escrita platônica entre o impulso em direção ao conhecimento ideal, normativo e autoritário e a escorregadia e lúdica do diálogo como meio de expressão.
(GOLDHILL, S. The end of dialogue in Antiquity. Cambridge: Cambridge university press, 2008)