Enéada VI,8,1 — Exposição do objeto da pesquisa

Capítulo 1: Exposição do objeto da pesquisa e primeira aproximação “daquilo que depende de nós” 1-13: É necessário estender aos seres inteligíveis e ao Uno o uso da expressão “o que depende de nós”? 13-30: Sentido da expressão: “o que depende de nós” quando ela se aplica às faculdades humanas 30-44: Distinção entre o que é “voluntário” e “o que depende de nós”

1. É possível investigar, mesmo a respeito dos deuses, se algo depende deles, ou certamente convém limitar esta investigação às faculdades dos homens, fracas e hesitantes, estando entendido que se deve acordar aos deuses o poder sobre todas as coisas, e que não é uma só coisa que deles depende, mas todas? Ou certamente o poder total e o fato de ter todas as coisas em seu poder devem em verdade ser acordados ao Uno, quando, para os outros seres, alguns exercem seu poder sobre todas as coisas, e outros sobre uma única? E a quais deuses correspondem cada um destes dois casos? Nos é necessário fazer esta investigação e ter a audácia de a levar até as primeiras realidades, e até o que se mantém no alto acima de tudo: enquanto conveniamos que o Uno tem o poder de tudo completar, podemos demandar como alguma coisa dele depende. E se deve igualmente examinar em que sentido emprega-se este termo de «poder», a fim de evitar que nos expressemos por aí o que é ora potência e ora ato, quer dizer um ato a vir. Mas é preciso de momento remeter estas questões para mais tarde, e fazer então portar nossa investigação sobre nós mesmos, em buscando, como temos costume de o fazer, se algo se acha dependente de nós. Em primeiro lugar, nos é preciso buscar o que vale dizer que «algo depende de nós» [eph hemin]; em outros termos, que noção corresponde a uma tal expressão? Pois assim procedendo se poderá saber aproximativamente se convém ou não reportar esta expressão aos deuses, e mais ainda ao deus. E se ela devia ser empregada a seu respeito, se deve ainda investigar de que maneira «o que depende de si» se aplica às outras coisas e àquelas que são. Que temos nós por conseguinte no espírito quando dizemos que «algo depende de nós» e porque buscamos o saber? Penso da minha parte que quando somos lançados em azares contrários, submetidos aos rigores da necessidade e que os violentos assaltos das paixões se amparam de nossa alma, se julgamos que tudo isso nos domina, que aí estamos sujeitos, e somos conduzidos aí onde isso nos leva, nos demandaremos com perplexidade se não somos nada e se não é verdade que nada não depende de nós, na medida que «o que depende de nós» designa o que podemos completar sem ser submetidos aos golpes do azar e da necessidade assim como às violências das paixões, e o que queremos sem que nada faça obstáculo a nossas vontades. Mas, se assim é, a noção de «o que depende de nós» designará o que é sujeitado à vontade e que advém ou não na medida em que o quisemos. Pois o que é voluntário, é tudo que não é executado sob a constrição e que se acompanha de um saber, enquanto que o que depende de nós, é o que realizamos em sendo também os mestres. E os dois convergem frequentemente, mesmo se nossas definições são diferentes. Acontece no entanto que as duas expressões esteja dissociadas: por exemplo, se alguém é mestre de matar, não agirá voluntariamente se ignora que a vítima é seu pai. Talvez com efeito a expressão «voluntária» deva estar dissociada daquele que tem a capacidade de fazer o que depende dele mesmo. Seguramente, não é somente o conhecimento dos detalhes que deve constituir o que é voluntário, mas também aquele do conjunto. Por qual razão com efeito, alguém age involuntariamente se ignora que está ao encontro de um próximo, e não age involuntariamente, se ignora que não deve realizar esta ato? Poderia se sustentar que é porque deveria o aprender. Mas não saber que era necessário aprendê-lo não é um ato voluntário, assim como não é voluntário o que desvia desta aprendizagem.