Capítulo 3: A unidade verdadeira, o Uno, é o princípio que precede todas as coisas e do qual derivam todas as coisas.
1-14. É difícil falar do Uno, o princípio da unidade, e de conhecê-lo; isto exige, para as almas, uma longa subida a seu princípio.
14-33. Para realizar a contemplação do Uno, é preciso se dispor no Intelecto puro e “se tornar uno”.
33-45. O Uno é mais puro e mais simples que o Intelecto; é portanto além do Intelecto, das formas e daquilo que é, não tem forma, nem mesmo é; nenhuma atributo dele se pode predicar.
45-54. Se o Uno tivesse um ou mais atributos, não seria nem “simples”, nem “uno”; eis porque nada lhe convém, nem conhecimento, nem discurso, nem linguagem; quando dele falamos, só fazemos expressar o que dele recebemos.
3. O que é então a unidade e qual é sua natureza? Nada há de surpreendente, sem dúvida, a que não seja fácil de o dizer, posto que não é menos fácil de dizer o que são o ser e a forma, mesmo se nosso conhecimento se funda sobre as formas. Mas na medida que a alma avança para o que não tem forma, ao mesmo tempo sendo incapaz de apreender isso porque ela não é delimitada por isso e que ela não é também, por assim dizer, afetada por uma marca multiforme, ela vacila e teme de nada reter. Eis porque, assim sendo, ela se fadiga e desce frequentemente com o prazer, se afastando de tudo isso, até que ela alcance ao sensível, como se ela encontrasse seu repouso no sólido; da mesma forma, a visão, fatigada de olhar pequenos objetos, se volta com prazer para os grandes. Mas quando a alma quer ver por ela mesma, então, porque ela não pode ver que em se unindo com o que ela pensa, e que ela é uma se ela é uma com ele, ela não crê ainda ter o que ela busca, pois ela não é diferente dele. No entanto, é bem assim que deve fazer aquele que ouve o filosofar sobre a unidade. Logo, posto que o que buscamos é uno, e posto que é para o princípio de todas as coisas que dirigimos nosso olhar, quer dizer para o Bem e o Primeiro, não é preciso se afastar disto que se encontra ao redor das realidades primeiras, em se deixando cair até as últimas de todas as realidades; mas, em se dirigindo para as realidades primeiras, é necessário se afastar dos sensíveis, que são as realidade últimas, e é necessário se liberar de todo vício, pois é ao Bem que a gente se esforça em alcançar; é necessário subir até ao princípio que em nós está, e , de vários que éramos, se tornar um, para aceder à contemplação do princípio que é o Uno. Logo é necessário se tornar Intelecto, e confiar sua alma ao intelecto, a colocar em seu dependência, para que ela possa receber, desperta, o que este vê; deve-se olhar o Uno por meio do intelecto, sem aí adicionar qualquer sensação e sem além do mais admitir nele nada que deriva da sensação, pois é por meio do intelecto puro que é necessário olhar o que é o mais puro; ainda mais, por meio do que é o mais elevado no intelecto. Consequentemente, quando este que se preparou à contemplação de uma tal coisa se representa, nesta natureza, grandeza, contorno ou massa, não é o intelecto que guia sua contemplação — pois não está na natureza do intelecto ver tais coisas —, mas é a atividade da sensação e da opinião que segue a sensação. É necessário em revanche que receba do intelecto o que este último anuncia estar em seu poder: o intelecto pode ver tanto as coisas que possui quanto as coisas que o precedem. Sim, as coisas que nele estão são puras, mas bem mais puras e mais simples ainda são as coisas que o procedem, ou de preferência o que o precede.
Logo o Uno não é não menos o intelecto, mas precede o intelecto; pois o intelecto é certamente uma das coisas que são, enquanto ele, ele não é algo, mas precede cada coisas, posto que não é mesmo; pois justamente o que é possui de certo modo uma figura, aquele do que é, enquanto o Uno é privado de figura, mesmo de figura inteligível. Com efeito, a natureza do Uno, posto que é geradora de todas as coisas, não nenhuma delas. Logo não é nem algo, nem qualidade, nem Intelecto, nem Alma; não está nem «em movimento», nem muito menos em «em repouso», nem «em um lugar», nem «em um tempo», mas é «de forma única em si e por si», ou de preferência, é privado de forma, pois precede toda forma; precede o movimento, precede o repouso; pois estas coisas são relativas ao que é, e elas o rendem múltiplo.
— Logo porque, se não está em movimento, não está em repouso?
— Porque está necessariamente em relação ao que é senão o repouso ou o movimento, ou os dois juntos, se produzem, e que o que está em repouso está em repouso em devido ao repouso, e não porque seria idêntico ao repouso; de sorte que o repouso lhe pertencerá como um atributo, e que não restará mais simples. Pois dizer que o Uni é uma causa, não é lhe dar um atributo a ele, mas de preferência a nós, pois é nós que detemos algo que dele vem, enquanto ele, permanece nele mesmo. Não é preciso dizer nem «ele» nem «é», para falar com exatidão. Mas somos nós que, girando, por assim dizer, ao redor dele do exterior, desejamos exprimir o que experimentamos quando nos aproximamos por vezes dele ou que por vezes nós deles nos afastamos por causa das aporias que surgem a seu respeito.