PRIMEIRO ALCIBÍADES
Sobre a justiça. “Conhecer-se a si mesmo é o fim do homem, que consiste em conhecer-se a si mesmo enquanto alma”. “O homem é a alma” (130c-131a). A virtude é necessária tanto para o indivíduo como para a cidade.
Citações
“Aquele que serve o corpo serve o que é seu, não o que ele é”. Alcibíades, 131B
“Aquele que só conhece o corpo, conhece o que é do homem, mas não o homem ele mesmo”. Alcibíades, 131A
Tomemos a interpretação de Gwenaëlle Aubry, em sua tradução do tratado 53 de Plotino, que se guia em parte pelo Primeiro Alcibíades. A exploração do preceito délfico toma duas vias sucessivas, das quais uma apenas conclui. Em um primeiro tempo, o objeto do conhecimento de si vai ser identificado ao eu individual e encarnado: também a definição do homem em 129 e na medida que ela faz intervir a relação ao corpo (caracterizada como sendo ao mesmo tempo de uso e de dominação), é ainda aquela do indivíduo. A partir de 132d, no entanto, com a introdução do paradigma ótico, o diálogo se engaja em uma nova via: o que ensina o paradigma, com efeito, é, como escreve Jacques Brunschwig, que “a relação entre alma e alma reconduz (…), pela descoberta do que há de “melhor e mais divino” na alma humana, do divino na alma ao Deus ele mesmo que dela é o modelo. Esta relação conduz ao mesmo tempo, para a descoberta do que há de “impessoal” no que há de “melhor e de mais divino” na alma, a uma superação decisiva da individualidade pessoal”. A relação inter-humana, que se pode dizer “horizontal”, e que se atualiza, em particular, no diálogo, se supera assim em uma relação “vertical”, “excêntrica” ou “teocêntrica”. Mas isto, por sua vez, engaja o indivíduo em uma outra relação consigo: descobrindo, através da relação inter-humana, o divino nele, descobre ao mesmo tempo que neste impessoal que é mais ele mesmo.
O “conhece-te a ti mesmo” recebe portanto uma nova interpretação: seu objeto verdadeiro não é o eu individual, encarnado, tomado na relação dialógica (o “sautón”), mas o si impessoal (o “auto to auto”). Como escreve Julia Annas, se meu corpo, pelo qual estou individuada, não faz parte do que sou realmente, então é possível que o que sou realmente nada é de individual: “My real self is just de self itself”1. O que ensina o Primeiro Alcibídades é, portanto, ultimamente, que estou propriamente aí onde não estou, quer dizer além de mim, que sou eu mesmo o que não é eu, quer dizer o que não se reduz a mim — minha essência, na qual se anula o que me singulariza e me qualifica, mas em que reside, no entanto, minha identidade, minha interioridade e minha permanência.
Os comentadores do Alcibíades, no entanto, não se acordam todos sobre esta interpretação; Proclo e Damascio assumem no diálogo, vias opostas e exclusivas: para Damascio, o “conhece-te a ti mesmo” tem por objeto primeiro a alma que usa do corpo como de um instrumento. Este nível é aquele do eu individual, mas também das virtudes civis por oposição às virtudes catárticas e contemplativas; o escopo do diálogo é político. Para Proclo, ao contrário, auto designa somente a alma, e auto to auto (129b1 e 130d4), a parte racional. O escopo do diálogo é portanto ético: o conhecimento de si não tem por objeto primeiro o si individual, mas a alma que se esforça de se depreender do corpo, de se arrancar a sua particularidade.
- ALC1 (103a-104e) — Prólogo (Thomas Taylor)
- ALC1 (104e-119a) — As ambições secretas de Alcibíades (Thomas Taylor)
- ALC1 (106b-109c) — Interrogatório de Sócrates sobre a competência de Alcibíades (Thomas Taylor)
- ALC1 103a-104e: Prólogo
- ALC1 104e-119a: Ambições secretas de Alcibíades
- ALC1 106b-109c: Interrogatório sobre a competência de Alcibíades
- ALC1 109c-113c: O que é o justo?
- ALC1 113c-116e: O justo ou o vantajoso?
- ALC1 116e-118b: Não saber e crer que se sabe. Pior das ignorâncias.
- ALC1 118b-119a: Há uma ciência da política?
- ALC1 119a-127c: Considerações gerais sobre a política
- ALC1 124a-128c: Em que consiste a arte política?
- ALC1 128c-135b: Como remediar o mal de que sofre a política?
- ALC1 130a-132b: O homem é sua alma
- ALC1 132b-135b: Interpretação do “Conhece-te a ti mesmo”
- ALC1 135b-135e: Epílogo
- Alcibiades I (Thomas Taylor)
- Chambry: Alcibiade I 103a-104e — Prólogo
- Chambry: Alcibiade I 104e-119a — O Justo
- Chambry: Alcibiade I 109c-116e — O Justo
Cf. “Self-knowledge in Early Plato”, em D.J. O, Meara (ed.), Platonic Investigations, 1985. ↩