Não é possível pensar o pensamento dos primeiros pensadores gregos só com os recursos da ciência e da filosofia. Toda historiografia já é sempre uma filosofia da história, quer o saiba ou não. Uma investigação de pensamento, que não pretender negar-se a si mesma como pensamento, tem necessariamente de ser uma restauração da mesma empresa. “Mesma”, no entanto, não diz aqui igual. Diz idêntica nas vicissitudes de mundos diferentes. Quem na interpretação de um pensamento se ativer exclusivamente aos textos e se limitar apenas ao sentido objetivo, destruirá precisamente o que constitui o vigor de seu esforço de pensar. As palavras e os textos são função do pensamento, como este é função do que, provocando a pensar, o torna possível como pensamento. Não há outra maneira de se interpretar um pensamento do que pensá-lo nas relações de identidade e diferença com a coisa de suas próprias virtualidades. Apreender-lhe o vigor Histórico será sempre um esforço de abrir, através do diálogo, horizontes diferentes para um novo principiar do mesmo mistério. Por isso a História do pensamento é uma tarefa exclusiva de pensadores.
Neste sentido a presente investigação não quer ser uma obra de historiografia filosófica. Pretende levar a sério que os primeiros pensadores gregos são pensadores e não filósofos. O destino Histórico de seu pensamento não provém da objetividade dos conhecimentos mas do vigor do pensamento. Por isso o caminho a seguir é o caminho de um diálogo a partir da própria coisa do pensamento. Procurar-se-á atingir o centro do diálogo para da perspectiva central entender e interpretar os fragmentos. Pois, de que outra maneira poder-se-ia apreender-lhes o pensamento senão pensando?
No horizonte deste questionamento o pensamento dos primeiros pensadores gregos revela uma profundidade atual em que as questões arroladas e as preocupações moventes acenam para o mistério vigente de sua verdade, de outro modo imperceptível. Em consequência, se encolhe a distância cronológica de mais de dois mil e quinhentos anos, que deles nos separa. A estranheza destes pensadores deixa de nos ser externamente estranha para afirmar-se como nossa própria estranheza. É então que nos sentimos conosco quando estamos com eles. Pensar o pensamento dos primeiros pensadores já não equivale a pesquisar nos fragmentos legados as ideias que passaram pelo cérebro de gregos dos séculos VI e V antes de Cristo. Será experienciar a decadência planetária de pensamento em que hoje nos debatemos. Trata-se de uma decadência tão decadente que grande é o risco de perdermos até as condições de identificar a decadência e apreciá-la como decadência.
No século VI a religião, a política, a educação gregas exercem determinada consciência da poesia e mitologia. Houmeros tem Hellada pepaideuke. Prisma e espelho, nesta consciência se refletem e analisam as peripécias de verdade e não verdade da existência grega. Denunciando a miopia da consciência vigente, os primeiros pensadores se lançam a pensar reciprocamente as diferenças de religião e política, de educação e habilidade, de poesia e mito pela identidade do pensamento, pensando a com-pertinência de ser e pensar. Para nós, filhos do petróleo e da técnica, tardos em pensar, se tornou ainda mais difícil este mistério da identidade numa época de poluição e consumo. E por que? – Porque temos os ouvidos tão poluídos de ciência e filosofia, temos os olhos tão consumidos pelas utilidades que já não podemos ver o mistério da pobreza nem ouvir a voz do silêncio no alarido do desenvolvimento. Desconhecemos o paradoxo da revolução do pensamento. Já quase não temos sensibilidade para as vibrações de nosso destino. E isso, não tanto porque, absorvidos pelas solicitações do consumo, quase não pensamos, mas sobretudo porque, quando pensamos, quase inevitavelmente o fazemos nos moldes da filosofia e da ciência.