akrita

Resumo de KINGSLEY, Peter. Reality. Inverness: The Golden Sufi Center, 2003, p. 95-98.

Segundo Peter Kingsley, um detalhe precioso no que a deusa tem a dizer, no Poema de Parmênides, Fragmento 6, é sobre sua descrição das pessoas como “indiscerníveis, não-discernentes multidões” [indistinguishable, undistinguishing crowds]. No grego de Parmênides isto é dito em duas palavras: akrita phyla. O significado básico de akrita é “sem distinção”, “incapaz de discriminação”. Aqui, o sentido é perfeitamente — e muito deliberadamente — ambíguo.

Significa naturalmente que as multidões são tão enormes que não há nenhum modo real de diferenciar indivíduos. E o fato é que vivemos tais vidas coletivas e inconscientes, todos formamos uma única massa indiferenciada: seguindo o mesmo caminho louco como todos os outros, indo exatamente através das mesmas moções, com os mesmos hábitos e crenças não questionados. Até mesmo o desejo de individualidade é apenas um movimento de massa do todo. Não há nada tão anônimo como a busca para achar completude e autoexpressão.

Mas para a deusa há um sentido ainda mais fundamental a esta total ausência de diferenciação, distinção, discriminação.

A integralidade do poema de Parmênides é construída ao redor da necessidade de distinguir claramente entre aqueles dois caminhos que a deusa apontou — ao redor da urgência por uma escolha ou decisão consciente. E a falha em distinguir claramente, escolher, decidir, é um significado essencial da palavra akrita.

Aos olhos da deusa no Poema de Parmênides, falhamos em decidir, ou até pior nem sequer nos damos conta que há escolha a ser feita. Não reconhecemos a seriedade do que Parmênides diz sobre a escolha a ser feita entre o caminho de ser e o inconcebível caminho de não-existência. Assim ficamos vagando para frente e para trás em um caminho sensível do meio, na terra de ninguém.

A sonoridade das duas palavras akrita phyla lembraria um grego inteligente de um expressão contundente já usada por Homero: akritophyllon, que significa “com folhas incontáveis”. De fato akrita phyla, “indiscerníveis multidões”, soa mais ou menos idêntico a akrita phylla, “indiscerníveis folhas”. Há uma ingenuidade de evocar poemas de Homero, ao mesmo tempo de jogar com folhas e humanos, como de costume no pensamento grego antigo. Homero já comentara que a raça humana tinha vida curta como as folhas que agora crescem em uma árvore, para logo em seguida serem sopradas em rajadas de vento. Na metáfora grega, em realidade todas as nossas experiências e grandes desafios nada significam.

As decisões que nos parecem relevantes, as escolhas que nos importam, são entre uma coisa e outra. Para Parmênides, e a perspectiva divina que enuncia, todas estas decisões e escolhas são nada mais que indecisão, demonstram falta de discriminação. A decisão que a deusa apresenta para Parmênides é entre tudo ou nada, totalmente sem sentido para nossas mentes vagantes. Entretanto fique bem claro, nada há de racional sobre a decisão que a deusa nos confronta, a decisão entre os dois caminhos. Dizer sim para absolutamente tudo que vemos ou pensamos ou ouvimos, demanda uma vigilância total, completa aceitação, em total oposição à negação que nossas decisões ordinárias significam.