[BRISSON, Luc (dir). Platon. Oeuvres complètes. Paris: Flammarion, 2012, p. 62-63]
Este diálogo não se encontra em todos os manuscritos de Platão. No século III dC Diógenes Laércio o considera como inautêntico, mas originário da Academia de Platão. Assim começa…
Chéréphon – O que é, Sócrates, este canto que tocou nossos ouvidos? Ele vem de lá, daquelas margens e daquele promontório. Quão doce aos nossos ouvidos! Que animal pode ser que o modula? Pois os animais que vivem na água são silenciosos.
Sócrates – É uma ave marinha, Chéréphon, uma ave chamada “alcíone”, com um canto plangente e lamurioso, sobre o qual os antigos nos transmitiram este mito. Afirma-se que uma vez foi uma mulher, filha de Eole, filho de Hellen, que atormentada pelo amor lamentou a morte de seu marido, Céyx de Trachis, filho de Héosphorus, a estrela da manhã, a beleza do filho igual à do seu pai. Por decisão divina, essa mulher recebeu posteriormente asas e se transformou em um pássaro que voa pelas margens do mar em busca de seu marido, pois ela deu a volta na terra sem poder encontrá-lo.
Chéréphon – Você quer dizer o alcíone? Eu nunca a tinha ouvido cantar antes, e realmente foi uma música estranha que tocou meus ouvidos. Sim, este pássaro dá um canto realmente plangente. Qual é o tamanho dele, Sócrates?
Sócrates – Ele não é grande, mas grande é o favor que recebeu dos deuses como recompensa por seu amor ao marido. Porque quando os alcíones fazem seus ninhos, o mundo passa por dias descritos como “alciônicos” que, no auge do inverno, se distinguem pela doçura; e é hoje. Você não consegue ver como o céu está claro acima de nossas cabeças, como até o mar está em toda parte e tão calmo como um espelho, como dizem?
Chéréphon – Isso mesmo. Hoje parece um dia “alciônico”, exatamente como ontem. Mas, pelos deuses, Sócrates, que crédito pode ser dado a esses mitos de que um dia as mulheres se transformaram em pássaros e os pássaros em mulheres? Esse tipo de evento parece totalmente impossível para mim.
Sócrates – Meu caro Chéréphon, parece que, para distinguir entre o que é possível e o que não é, temos uma visão muito débil, porque é certo que apreciamos a coisa por meio das nossas capacidades humanas que têm dificuldade em conhecer, e que são pouco fiáveis e têm visão curta. Portanto, muitas coisas fáceis parecem difíceis para nós, muitas coisas praticáveis, impraticáveis, principalmente por falta de experiência ou por causa da postura infantil da nossa mente. Porque na realidade todo homem, por mais velho que seja, dá a impressão de ser apenas uma criança, porque o tempo de vida é extremamente curto e não mais que o de um recém-nascido se o compararmos com a eternidade. Como então, meu caro, pessoas que não estão familiarizadas com as habilidades dos deuses, dos deuses e da natureza como um todo seriam capazes de dizer se esse tipo de evento é possível ou não. Você viu, Chéréphon, a violência da tempestade que desatou anteontem, não viu? Vendo esses relâmpagos, ouvindo aqueles rugidos estrondosos e lutando contra esses ventos extremamente fortes, alguém poderia ter ficado com medo, supondo que toda a terra habitada seria destruída.
Mas, pouco depois, uma serenidade surpreendente se estabeleceu, que ainda dura até hoje. Bem, qual você acha que é a tarefa mais importante e mais difícil: transformar a violência desencadeada por esta tempestade nesta serenidade e trazer a calma para o mundo inteiro, ou transformar uma mulher em um pássaro? Tomemos por exemplo as crianças pequenas do nosso país que sabem fazer modelagem; trabalhando com barro ou cera, não têm dificuldade em dar-lhe todas as formas, sempre da mesma massa; já para a divindade que possui capacidades incomparavelmente maiores que as nossas, todas as intervenções deste tipo são, sem dúvida, mais fáceis e bastante simples, pois de quanto, você pensa, a dimensão de todo o céu excede a sua?