Apologia 32e-34b: Sócrates não ensina e não tem discípulos

Ora, julgais que eu teria vivido tantos anos, se me tivesse aplicado aos negócios públicos, e procedendo como homem de bem, tivesse defendido as coisas justas, e, como deve ser, tivesse dado a isso maior importância? Muito longe disso, cidadãos atenienses; na verdade, também nenhum outro se teria salvo! Eu, porém, durante toda a minha vida, se fiz alguma coisa, em público ou em particular, vos apareço sempre o mesmo, não tendo jamais concedido coisa alguma contra a justiça nem aos outros nem a algum daqueles que meus caluniadores chamam de meus discípulos.

Mas nunca fui mestre de ninguém: de, pois, alguém mostrou desejoso da minha presença quando eu falava, e acudiam à minha procura jovens e velhos, nunca me recusei a ninguém. Nunca, ao menos, falei de dinheiro; mas igualmente me presto a me interrogar os ricos e os pobres, quando alguém, respondendo, quer ouvir o que digo. e se algum deles se torna melhor, ou não se torna não posso ser responsável, pois que não prometi, nem dei, nesse sentido, nenhum ensinamento. E, se alguém afirmar que aprendeu ou ouviu de mim, em particular, qualquer coisa de diverso do que disse a todos os outros, sabei bem que não diz a verdade.

Entretanto, como pode acontecer que alguns se comprazam em passar muito tempo comigo? Já ouvistes, cidadãos atenienses, eu já vos disse toda a verdade: é porque tomam gosto em ouvir examinar aqueles que acreditam ser sábio e não o são; não é de fato coisa desagradável. E, como disse, foi o deus que me ordenou a fazê-lo, com oráculos, com sonhos, e com outros meios, pelos quais algumas vezes a divina a vontade ordena a um homem que faça o que quer que seja.

Tudo isso, cidadãos atenienses, é verdade e fácil de provar. Com efeito, suponhamos que, entre os jovens, há alguns que estou corrompendo e outros que já corrompi: seria aparentemente inevitável que alguns destes, quando tiveram mais idade, compreendessem que eu lhes tinha alguma vez aconselhado uma ação má – e hoje deveriam estar aqui para me acusar e vingar-se de mim. Suponhamos ainda, que eles não teriam querido vir pessoalmente: mesmo assim, alguns de seus parentes, pais, irmãos ou pessoas de família, se algum dia receberam danos de minha parte, agora deveriam recordar e tirar vingança.

Mas eis que vejo aqui presentes muitos desses: primeiro Críton, meu coevo e do mesmo demos, pai de Critóbulo; depois Lisânias Sfécio, pai de Epígenes, além destes outros cujos irmãos estiveram comigo na intimidade: Nicostrato, filho de Teozóides e irmão de Teodoto (e Teodoto, que já é falecido, não poderia impedir Nicostrato de falar contra mim). E há ainda, Paralios de Demócodo, irmão de Teageto, do qual é irmão Platão, e Aiantádoro, de que é irmão Apolodoro. E muitos outros eu poderia citar, alguns dos quais especialmente deveriam ter sido apresentados por Meleto como testemunhas, no seu discurso. Mas, se agora se esquivam, aos presentes aqui eu lhes permito dizerem se há qualquer coisa dessa natureza. Mas vós, ó juízes, sois de parecer contrário, achareis que todos estão prontos a me ajudar; mas incorruptíveis homens já de idade avançada, parentes daqueles, que razão teriam para me ajudar senão aquela, reta e justa, convencidos de que Meleto mente e que eu digo a verdade?