Apologia 34b-35d: Conclusão da defesa

Assim seja, ó cidadãos: é mais ou menos isso que eu poderei dizer em minha defesa ou qualquer coisa semelhante. Provavelmente, porém, algum de vós poderá ficar encolerizado, recordando-se de si mesmo. Se sustentou uma contenda embora em menor proporções do que essa minha, pediu e suplicou aos juízes, com muitas lágrimas, trazendo aqui os filhos, e muitos outros parentes e amigos, a fim de mover a piedade ao seu favor. Eu não farei certamente nada disso, embora vá ao encontro, como se pode acreditar, do extremo perigo. É possível que qualquer um, considerando isso, pudesse irritar-se contra mim, e, encolerizado por isso mesmo, desse o voto com ira. Se, de fato, algum de vós está em está em tal estado de alma, a mim me parece que poderei dizer-lhe o seguinte: Também eu, meu caro, tenho uma família, e bem posso, como em Homero, dizer que não nasci: “de um carvalho nem de um rochedo”, pois eu também tenho parentes e filhinhos, ó cidadãos atenienses: três, um já jovenzinho e duas meninas; mas contudo, não farei vir aqui nenhum deles para vos rogar a minha absolvição.

Porque razão não farei nada disso? Não é por soberbia, ó atenienses, nem por desprezo que eu tenha por vós, mas que eu seja corajoso ao menos defronte a morte, isto é outra coisa. Tratando-se de honra, não me parece belo, nem para mim nem para vós, para toda cidade, que eu faça tal, na idade em que estou, e com este nome de sábio que me dão, seja ele merecido ou não. O fato é que me foi criada a fama de ser este Sócrates em quem há alguma coisa pela qual se torna superior à maioria dos homens. Ora, se aqueles que entre nós, tem a reputação de ser superiores aos demais, pela sabedoria, pela coragem, ou por qualquer outro mérito procedessem de tal modo, seria bem feito.

Frequentemente já notei essa atitude, quando são elas julgadas, em pessoas que, malgrado a reputação de homens de valor que tem, se entregam a extraordinárias manifestações, inspiradas pela ideia de que será coisa terrível ter de morrer: como se, no caso em que vós não o mandásseis à morte, devessem eles ser imortais. São esses homens que, a meu ver, cobrem a cidade de vergonha, e que poderiam suscitar entre os estrangeiros a convicção de aqueles que os próprios atenienses escolheram, de preferência, para serem os seus magistrados e para as demais dignidades, não se diferenciem das mulheres!

É um procedimento, atenienses, que não deverá ser o vosso, quando possuirdes reputação em qualquer gênero de valor que seja; e que não deveis permitir seja o meu, caso eu tenha alguma reputação, pois o que deveis fazer é justamente que se compreenda isto: que aquele que se apresenta no tribunal representando estes dramas lamentáveis será mais certamente condenado por vós do que o que permanece tranquilo.

Mas mesmo não fazendo caso da reputação, ó cidadãos, não me parece também justo suplicar aos juízes e evitar a condenação com rogos, mas iluminá-los e persuadi-los. Que o juiz não ceda já por isso, não dispense sentença a favor, mas a pronuncie retamente e jure condescender com quem lhe agrada, mas proceder segundo as leis. Por isso, nem nós devemos habituar-vos a proceder contra o vosso juramento, nem vós deveis permitir que nos habituemos a fazê-lo.

Não espereis, cidadãos atenienses, que eu seja constrangido a fazer, diante de vós, coisas tais que não considero nem belas, nem justas, nem santas, especialmente agora, por Zeus, que sou acusado de impiedade por Meleto.

É evidente que, se com todo vosso juramento, eu vos persuadisse e com palavras vos forçasse, eu vos ensinaria a considerar que não existem deuses, e assim, enquanto me defendo, em realidade me acusaria, só pelo fato de não crer nos deuses.

Mas a coisa está bem longe de ser assim; porquanto, cidadãos atenienses, creio neles, como nenhum dos meus acusadores, e encarrego a vós e ao deus de julgar a mim, do modo que puder ser o melhor para mim e para vós.