gr. arkhé (he): princípio. Latim: principium. Causa original, Realidade primeira da qual procedem as outras no universo.
Outro exemplo é a palavra archê. Ela não há que ser entendida como relação do Uno a outros seres, mas no sentido de que estes se relacionam com ele, como o ilustra este passo: “Tudo o que é belo e santo é posterior a ele, porquanto de tudo isso ele é o princípio” (En. VI, 8, 8, 7-9).
O horizonte de indagação filosófica deixa de estar exclusivamente ligado ao problema posto pela experiência maciça do ser. Na verdade, é a presença maciça e absolutamente problemática do ser que mobiliza o pensamento pré-socrático. Todo o seu esforço estava concentrado na procura da ἀρχή, isto é, de um princípio, origem e proveniência dos entes no seu todo. A questão filosófica do ser reparte-se, contudo, com Aristóteles, por diversas frentes de investigação. Mas, a despeito da diversidade de ontologias regionais e das respectivas formas específicas de acesso, podemos perceber que todas elas cabem dentro de uma distinção fundamental. A diferenciação entre um horizonte teórico e um horizonte prático e respectivas formas constitutivas de acesso passa agora a redefinir o projeto de investigação filosófico pré-socrático. Em causa está a ἀρχή, mas nos diversos modos como pode ser dita. Fala-se portanto de ἀρχαί, e na verdade interpretadas explicitamente como αἰτίαι. A diferenciação entre os dois modos fundamentais de haver princípio — fundamentos responsabilizáveis pelos entes nos respectivos horizontes — não é, contudo, uma invenção aristotélica mas um dividendo colhido do pensamento platônico. (CaeiroEN:281 Nota)
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. (Jo 1,1-Jo 1,2 – 2)
Filosofia
(Excertos de “Les Notions philosophiques”, PUF 1990)
Ao mesmo tempo princípio e ordem, significações que se distanciam entre si no discurso histórico-político (ponto de partida do relato do historiador ou dos eventos relatados; magistratura exercida na cidade), mas não na investigação sobre a natureza, nem a filosofia: então Tucídides já distingue a arkhe da guerra do Peloponésio e sua causa, Aristóteles define a filosofia como “conhecimento das primeiras arkhai (primeiros princípios) e causas” (Met A2, 982 b9). Ele engloba assim na história da filosofia as investigações pré-socráticas sobre os elementos. Criticando seus predecessores de só terem tratado da causa material, ele estende a noção de arkhe além daquela de elemento: mais que um constituinte material, acessível ou não à experiência, a arkhe é o princípio explicativo do devir. As quatro causas da teoria aristotélica são assim quatro arkhai. A arkhe adquire um estatuto propriamente lógico, onde a questão dos princípios da realidade vem a se confundir com aquela dos princípios do raciocínio sobre a realidade. Aristóteles nomeia assim arkhai os axiomas donde parte e que respeita necessariamente toda demonstração, o mais fundamental sendo o princípio de não-contradição, ao mesmo tempo regra do discurso sensato e determinação dos entes (Met. Δ, 3 e 4).
René Guénon: O GRÃO DE MOSTARDA
Para melhor compreender essa relação entre o germe do coração e Semente de Mostarda, é preciso nos reportarmos em primeiro lugar à doutrina hindu, que dá ao coração, enquanto centro do ser, o nome de “cidade divina” (Brahma-Pura) e, o que é notável, aplica à “cidade divina” expressões idênticas a algumas empregadas no Apocalipse para descrever a “Jerusalém Celeste”. (Cf. L’Homme et son devenir selon le Vêdânta, cap. III.) O Princípio divino, na medida em que reside no centro do ser, é muitas vezes designado simbolicamente como o “Éter – éter no coração”, elemento primordial do qual procedem todos os demais que são naturalmente tomados para representar o Princípio. O éter (akasha) é a mesma coisa que o avir hebraico, de cujo mistério brota a luz (aor) que realiza a extensão pela sua irradiação no exterior, (Cf. Le Règne de la quantité et les signes des temps, cap. III.) “fazendo do vazio (thohú) alguma coisa e do que não era o que é”, (É o Fiat Lux (Yehi Aor) do Gênesis, primeira afirmação do Verbo Divino na obra da criação; vibração inicial que abre o caminho para o desenvolvimento das possibilidades contidas potencialmente, em estado “informe e vazio” (thohû va-bohû), no caos original (cf. Aperçus sur l’Initiation, cap. XLVI).) enquanto que, por uma concentração correlativa a essa expressão luminosa, resta o iod no interior do coração, isto é, “o ponto oculto que se tornou manifesto”, um em três e três em um. (Cf. Le Symbolisme de la Croix, cap. IV.) Mas, no momento, deixaremos de lado esse ponto de vista cosmogônico, para nos dedicarmos de preferência ao ponto de vista que diz respeito a um ser em particular, como é o caso do ser humano, tomando o cuidado de notar que existe entre esses dois pontos de vista, macrocósmico e microcósmico, uma correspondência analógica em virtude da qual é sempre possível a transposição de um para o outro.
arkhé (he) / arche: princípio. Latim: principium.
Causa original, Realidade primeira da qual procedem as outras no universo. Essa palavra pode ter dois sentidos:
– cosmológico: o Princípio é então um corpo material (pré-socráticos);
– metafísico: o princípio é então uma Realidade impessoal, que pode assumir o nome de Mónada (Pitágoras), de Uno (Parmênides, Plotino), de Essência (Platão).
Platão, que emprega abundantemente a palavra arkhé, dá uma definição dela em Fedro (245c-d):”0 Princípio é o Inengendrado (agéneton), pois é necessário que tudo o que vem do ser venha a partir de um princípio, ou seja, daquilo que não procede de nada.” Portanto, é aquilo que está primeiro na existência e engendra a sequência dos outros seres.
Aristóteles definiu o Princípio, mas de modo bastante vago. Em Metafísica (A, 1), dedica a essa palavra a primeira de suas notas. Atribui-lhe cinco sentidos:
– ponto de partida (de uma linha, de uma rota); há então um princípio simétrico, que é o ponto de chegada;
– o melhor começo (arte pedagógica);
– o que é primeiro e imanente no devir (fundações de uma casa);
– a causa não imanente que precede (o pai e a mãe para o filho);
– a vontade livre de um ser racional (princípio dos acontecimentos) .
Em Física (I, 1, 184a), procedendo à história das teorias, Aristóteles atribui aos elementos primeiros entre os jônios (os Fisiólogos) o nome de princípios. Em Metafísica (A, 5), ele o atribui às grandes realidades originais de certos filósofos anteriores a ele: o Número em Pitágoras, o Uno em Xenófanes, o Ser em Parmênides.
Para os primeiros jônios, chamados por Aristóteles de Fisiólogos, o Princípio é um elemento cósmico.
O primeiro deles,Tales de Mileto, declara que é a Água (Aristóteles, Met., A, 3; Cícero, De nat. deor., I, 10, 23; Pseudo-Plutarco, Placit., I, 3; D.L., I, 27). Aristóteles atribui essa “descoberta” à observação, lembrando que a primeira mitologia grega vê o Oceano como origem do mundo; Nietzsche declara que essa é uma ideia genial. Na verdade, é uma simples herança das cosmogonias orientais. Tales era de origem fenícia e conhecia bem os mitos semíticos. A Cosmogonia caldeia, livro sagrado da tradição babilônica, do qual Damáscio e Berósio conservaram alguns fragmentos, afirma: “Na origem, a totalidade dos territórios era mar.” O Enuma Elis, outra narrativa babilônica sobre a criação, diz: “Quando no alto o céu não era denominado, quando embaixo a terra não tinha nome, do oceano Apsu, pai deles, e de Tiamat, a tumultuosa, mãe de todos, as águas se confundiam em Um.” O Livro dos mortos, que é o texto mais antigo do Egito diz: “No começo, só havia o Noun, abismo da água primordial”; ora, a Fenícia dominou culturalmente o Egito a partir do terceiro milênio; de qualquer modo, Tales passou algum tempo no Egito, onde recebeu os ensinamentos dos sacerdotes (D.L., I, 27).
O sucessor de Tales na direção da Escola de Mileto, Anaximandro, escolheu como Princípio originário o indeterminado (ápeiron / apeiron). (v. essa palavra). O terceiro chefe da escola,Anaxímenes (f526), estabeleceu como primeiro princípio o ar (aér / aer).Tem-se aí também um velho mito fenício. Encontra-se essa teoria em Diógenes de Apolônia (século V). Por fim, Hípaso de Metaponto (século VI) e Heráclito de Éfeso (f480) adotam como primeiro Princípio o fogo (pyr).
Os itálicos, filósofos de origem jônia, mas instalados no Sul da Itália (Magna Grécia), apresentam Princípios metafísicos. Para Pitágoras, é o Número, porém mais precisamente a Mônada, Unidade original do ser. Para Xenófanes (século VI), o Uno primeiro é um Deus único e incorpóreo; para Parmênides, seu discípulo, é o Ser, Uno no sentido de Único, pois ele não admite nenhum outro; para Anaxágoras, o Princípio original é duplo: uma matéria informe inerte e um Espírito absoluto dinâmico que dela extrai o universo em sua variedade. Para Empédocles, são o amor (philótes / philotes) e o ódio (neikos / neikos), mas na medida em que unem e desunem os elementos preexistentes, que são os quatro clássicos, v. stoikheia. Platão não tem posição fixa: as Essências, tomadas coletivamente, no Fédon; o Ser no Sofista; o Bem na República; Deus nas Leis. Em Aristóteles, o Princípio é o primeiro Motor, que se confunde com a Inteligência e o Bem (Met., A, 6-7). Mas, no que se refere aos seres da Natureza (tà physei ónta), ele considera três princípios: a matéria (hyle), a forma (morphé / morphe) e a privação (stéresis / steresis) (Fís., I, 7). Em Plotino, o Princípio é o Uno, que é ao mesmo tempo o Bem. (Gobry)