Aristipo e a escola cirenaica

Excertos de Reale, História da Filosofia

Aristipo nasceu em Cirene, cidade fundada por colonos gregos nas costas da África, vivendo das últimas décadas do século V à primeira metade do século IV a.C. Viajou para Atenas a fim de aprender com Sócrates. Mas a vida agitada e rica que havia levado em Cirene e os hábitos contraídos antes de encontrar Sócrates condicionaram a sua aceitação da mensagem socrática.

Em primeiro lugar, fixou-se nele a convicção de que o bem-estar físico seria o bem supremo, a ponto de ele chegar a considerar o prazer como o principal movente da vida, como veremos. Já vimos que Sócrates não condenou o prazer como mal (como iria fazer Antístenes), mas, em si mesmo, também não o considerou como um bem: só a ciência e a virtude o eram, embora o prazer também pudesse ser um bem, desde que convenientemente inserido em uma vida sustentada pelo conhecimento. Aristipo, porém, rompendo inteiramente o equilíbrio da posição socrática, afirmou que o prazer é sempre um bem, qualquer que seja a fonte de onde derive.

Em suma, Aristipo foi um verdadeiro hedonista, em claro contraste com o verbo socrático.

Em segundo lugar, também pelas mesmas razões, Aristipo assumiu em relação ao dinheiro posicionamento que, para um socrático, era absolutamente abusado: com efeito, ele chegou a fazer-se pagar suas lições, exatamente como faziam os sofistas, a ponto de os antigos chamarem-no sem dúvida de “sofista” (para os antigos, como já dissemos, os sofistas, com efeito, eram, aqueles que ministravam seus ensinamentos contra pagamento). Diógenes Laércio nos relata que Aristipo “foi o primeiro dos socráticos a pretender uma recompensa em dinheiro”, tendo chegado mesmo a tentar enviar dinheiro para Sócrates, com o resultado que qualquer um pode muito bem imaginar.

Com base nos testemunhos que chegaram até nós, é difícil, para não dizer impossível, distinguir o pensamento de Aristipo do de seus sucessores imediatos. Sua filha Areta recebeu em Cirene a herança espiritual paterna e a passou ao filho, a quem deu o mesmo nome do avô (o qual, assim, passou a ser denominado Aristipo, o Jovem). É provável que o núcleo essencial da doutrina cirenaica tenha sido fixado justamente pela tríade Aristipo-Areta-Aristipo, o Jovem. Posteriormente, a escola dividiu-se em diversas correntes de escasso relevo, das quais falaremos adiante. Aqui, trataremos apenas das doutrinas que podem, com verossimilhança, remontar ao cirenaísmo original.

Os cirenaicos rejeitaram as pesquisas físicas e consideraram como supérflua a própria matemática, que nada têm a ver com o bem e a felicidade. Reduziram ao essencial as indagações lógicas. Eles eram fenomenistas, reduzindo o conhecimento das coisas a “sensações”, que entendiam como “estados subjetivos” incomunicáveis intersubjetivamente. Os nomes comuns são convenções, pois, na realidade, expressam as sensações que cada sujeito experimenta, as quais, como sabemos, não são confrontáveis com as dos outros.

Consequentemente, pode-se compreender a radical visão hedonista própria dos cirenaicos. Para eles, a felicidade está no prazer colhido e desfrutado no momento. O prazer é explicado como uma espécie de “movimento leve” e a dor como um “movimento violento”. A ausência de prazer ou de dor, ou seja, a falta de movimento leve ou violento, é o êxtase, “semelhante à situação de quem dorme” e, portanto, não é agradável nem dolorosa. O prazer físico, assim como a dor física, é superior ao psíquico, tanto é verdade que os maus são punidos com dores físicas. No entanto, os cirenaicos afirmam que o homem deve dominar os prazeres e não se deixar dominar por eles. Em comparação com certas posições sofísticas, só há de socrático nos cirenaicos o princípio do autodomínio, transformado de domínio sobre a vida do instinto e sobre o desejo do prazer em autodomínio no prazer. Não é o prazer que é torpe, mas sim o ser vítima dele; não é o satisfazer as paixões que é mal, mas sim, no satisfazê-las, deixar-se envolver por elas; não é o gozo que deve ser condenado, mas sim todo excesso que nele se insinue.

Para os cirenaicos, a própria virtude socrática torna-se, não um fim, mas um meio e instrumento de prazer, reduzindo-se apenas àquele autodoniínio no prazer de que já falamos.

Um ponto ainda merece ser destacado, ou seja, a posição de ruptura assumida por Aristipo em relação ao ethos da polis. Segundo a concepção tradicional, na sociedade há quem comanda e quem é comandado. Consequentemente, construía-se o discurso educativo como se não houvesse nenhuma outra possibilidade senão a de formar pessoas aptas a comandar ou a obedecer. Aristipo, ao contrário, proclama a existência de uma terceira possibilidade: a de não fechar-se de modo algum em uma cidade, tornando-se “forasteiro em toda parte” e vivendo as consequências disso.

As sucessivas afirmações dos cirenaicos em sentido cosmopolita inserem-se exatamente nessas premissas, que, na verdade, são mais negativas do que positivas, porque a ruptura dos esquemas da polis ocorre por razões egoístas e de utilitarismo hedonístico, ou seja, porque uma participação na vida pública não permite gozar plenamente a vida.

A posição de Aristipo e dos cirenaicos não podia estar em mais estridente contraste com a posição de Sócrates, que colocou o seu filosofar a serviço da cidade e morreu para permanecer fiel ao ethos da polis.

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