Brisson & Pradeau: Doutrina de Plotino

Excertos da introdução da nova tradução francesa das Enéadas, de Luc Brisson e Jean-François Pradeau

Em geral na tradução das Enéadas, assim como nos estudos de seu pensamento, segue-se o uso que adota uma inicial maiúscula para as palavras que indicam “princípios”, quer dizer realidades verdadeiras que engendram e explicam o que vem em seguida. A razão desta grafia é simplesmente a necessidade de distinguir o Uno que é princípio e o um/uno em seu uso ordinário, entre o Intelecto que é princípio e o intelecto que é uma faculdade de toda alma, ou enfim entre a Alma que é princípio e não importa qual das almas individuais que entram na composição de todos os seres viventes. Nos tratados plotinianos, estes princípios são portanto três principais: o Uno, o Intelecto e a Alma. Esta regra também se aplica na distinção da Forma inteligível (eidos) da forma ou figura de não importa qual objeto.

Resumindo brevemente o argumento plotiniano é o seguinte: o Intelecto (noûs), como as Formas inteligíveis que ele contém, não poderia ser o primeiro princípio, nem a primeira atividade; o noûs, que é afetado de dualidade, posto que ele é um pensamento que se pensa e que pensa também, nela mesma, uma multiplicidade de formas inteligíveis, deve ter uma causa simples e primeira: há, repete assim Plotino, algo além do Intelecto. Algo cuja leitura então dominante do Timeu não pode dar conta senão imperfeitamente e do qual é preciso buscar a explicação em um outro diálogo que o Timeu, o Parmênides, que trata precisamente do “Uno” absolutamente simples, além de todas as coisas. A primeira hipótese do Parmênides (137c-142a) supõe assim a existência do Uno sem partes, sem começo, desprovido de toda qualidade que o multiplicaria, desprovido de toda figura, situado em nenhum lugar e desprovido de todo movimento. Plotino entende se servir desta hipótese platônica a fim de designar mais convenientemente o princípio primeiro como o que é simples, desprovido por esta razão, de toda qualidade (e deste fato “inefável”) e causa de todas as coisas, causa de todas as realidades que provêm sucessivamente dele. O Parmênides de Platão se torna assim, e o permanecerá para todos os representantes do neoplatonismo, o diálogo de referência da exegese platônica, da qual se pode dizer que ela se apresenta unanimemente como uma explicação da maneira pela qual todas as coisas procedem do “Primeiro”. O dispositivo doutrinal plotiniano se põe assim em lugar no cruzamento da leitura, ou melhor da revisão médio-platônica do Timeu, do qual é o herdeiro fiel, e de um uso inédito do Parmênides.

No Tratado 10 Plotino apresenta assim sua própria doutrina:

É a razão pela qual Platão diz que todas as coisas estão em três níveis “ao redor do rei todas as coisas” (ele quer então falar das coisas do primeiro nível), e que “ao redor do segundo, se encontram as coisas do segundo nível; e ao redor do terceiro, as coisas do terceiro nível”. Ele diz ainda que há um “pai da causa”, querendo dizer que a causa é o Intelecto; com efeito, o Intelecto é para ele o demiurgo, que fabrica a alma em um “critério” (segundo expressão do Timeu 34b e 41d). E ele afirma que o pai da causa (a causa, é o Intelecto) é o Bem, e que ele se encontra além do intelecto e “além da realidade”. Diz ainda frequentemente que o ser e o intelecto, é a ideia; Platão sabia portanto que o Intelecto vem do Bem, e que a Alma vem do Intelecto1. Nossos argumentos logo não têm nada de novo e não datam de hoje em dia; foram propostos há muito tempo, sem ser explicitamente; e o que dizemos hoje em dia nada mais é que uma interpretação destes argumentos cujo texto de Platão vem atestar a antiguidade. […] O Parmênides de Platão é em revanche mais exato, pois distingue o primeiro um, que é um no sentido próprio, do segundo um, que chama “um-muitos”, e do terceiro que é “um e muitos”. É assim e ele também está de acordo com a doutrina das três naturezas (Tratado 10, 8, 1-27).


  1. É uma proveniência imediata, cujo sentido é causal: o noûs é ek tagathou (saído do bem), a alma é ek nou (saída do Intelecto).