Escritos de Platão (Brisson)

Na época de Platão, a forma escrita reina em todos os domínios: em política, onde as leis estão consignadas por escrito, no tribunal onde as partes leem textos escritos por especialistas, no teatro onde as peças são redigidas por escrito, ma administração onde os arquivos diversos são conservados em um edifício público, e em todos os gêneros literários, a história, o que se chama então «filosofia», etc.

Antes mesmo da época de Platão, o uso do papiro estava disseminado pelos escritores. Copiava-se o texto e letras não acentuadas (entre quinze e vinte cinco por linhas, em colunas) que se assemelhavam a nossas maiúsculas. As palavras escritas sobre o papiro não estavam separadas e nenhum sinal de pontuação era usado. A leitura do texto não era portanto fácil, pois era necessário cortar as palavras no justo lugar, distinguir as palavras que se escreviam da mesma maneira e estruturar a frase; fazia-se geralmente apelo a um especialista que lia em voz alta.

A princípio a transmissão de um texto devia passar pela cópia manual, na medida que não havia nenhum meio de reprodução mecânica. Ora para ser fiel ou de boa qualidade, a cópia exigia uma leitura e uma escritura cuidadosas. Estas exigências foram preenchidas no caso da obra de Platão, pois uma escola platônica, onde o texto de Platão era venerado, se manteve durante quase mil anos, desde 387 aC até o fechamento da Escola neoplatônica de Atenas em 529 dC.

A qualidade desta transmissão explica porque Platão é um dos raros filósofos da Antiguidade cuja obra nos tenha chegado em sua totalidade (ou quase). Os dois manuscritos mais antigos, conservados na Biblioteca Nacional de Paris e na Bodleian Library de Oxford, remontam ao final do século IX dC, e são tributários de uma tradição manuscrita que se estende por mais de doze séculos. O arquétipo de onde derivam e do qual dependem os manuscritos mais recentes deve ter sido copiado no século VI, e devia se inspirar de uma edição realizada no primeiro século de nossa era, em Roma por Trasilo e provavelmente daquela realizada uma século antes por Pomponius Atticus, o amigo de Cícero, edição esta que dependia da revisão efetuada em Alexandria por Aristófane de Bizâncio por volta de 200 aC, de uma edição antiga feita antes de 314 aC na Academia então dirigida por Xenocrate, uns trinta anos após a morte de Platão.

Acredita-se que provavelmente no curso deste processo de transmissão que apareceram os títulos (geralmente do interlocutor principal) e os subtítulos (indicando o assunto e o gênero) que se impuseram em seguida, pois não parece que Platão tenha dado ele mesmo um título definitivo a seus escritos; o fato que Aristóteles fale de «Sobre a alma» para designar o Fédon comprava esta hipótese.