[BRISSON, Luc (dir). Platon. Oeuvres complètes. Paris: Flammarion, 2012, p. 1171-1172]
Embora nos faça testemunhar a morte de Sócrates, o Fédon não é uma tragédia. Porque antes de beber o veneno, Sócrates falou o dia todo com seus seguidores, como só ele sabia fazer. Ele falou da morte, não da sua morte, ele não se lamentou, ele, como sempre, se questionou. Por esta palavra singular, a única que expressa o que ele mesmo é, sua alma, Sócrates se dissocia deste cadáver que ele não será e que não deveria ser chamado de “Sócrates”.
A história se abre para o diálogo quando uma estranha pergunta é feita: “Será que achamos que a morte é alguma coisa? “(64c). Estejamos assustados e indignados com ela, ou a vejamos como o nome de um processo natural e, portanto, insignificante, a morte é um fato e tem a figura do impensável. Cada filósofo extrairá em seguida as consequências do fato de que todo homem é mortal, mas ninguém julgará possível pensar o que aniquila o pensamento ele mesmo. Respondendo de pronto que a morte nada mais seja do que a separação da alma e do corpo, Sócrates não se contenta em dar-lhe um sentido possível, ele afirma que quando uma alma pensa, se concentra nela mesma, ela se exercita a morrer. Pensar a morte vem ao pensar como o pensar ele mesmo.
Pelo menos, essa é a opinião dos verdadeiros filósofos. Filosofia e morte funcionam da mesma maneira, libertando a alma daquilo que a fixa a um corpo que só tem por real o que é sensível, por bem/bom apenas o que é agradável, e que mergulha num mundo em perpétuo devir onde toda unidade se revela múltipla e todo valor relativo. Uma coisa sensível nunca pode ser perfeitamente igual a uma outra e, no entanto, concebemos uma igualdade perfeita. Nenhuma experiência feita por uma alma unida ao seu corpo pode apreendê-la, mesmo que a alma precise refletir sobre a deficiência disto que ela percebe para relacioná-lo a uma essência que ela não pôde apreender senão “antes”, quando ela era separada.
A hipótese da reminiscência prova miticamente a preexistência da alma, mas tem uma significação racional: a alma tem em si mesma o poder de dispor e de conhecer realidades puramente inteligíveis. Se ela se preocupa em conhecê-las, ela se aparenta a elas. A alma, portanto, não é apenas um princípio de vida, mas também não é uma essência. Cada alma determina sua natureza em função de seu grau de compromisso com o corpo e sua atitude a filosofar corretamente, e no mito final há menos retribuição que tipologia: nossas almas irão habitar lugares que lhes assemelham. Não nos damos a mesma alma e não representamos a alma da mesma maneira se a acreditamos ou não mortal.
Mas, para a maioria das pessoas, a morte não é a morte metafórica dos filósofos, um estado que a alma se esforça por alcançar, mas um evento que arrisca destruí-la. Como exorcizar este medo? Refletindo sobre as causas da geração e da corrupção. O que merece o nome de causa não é o que engendra, mesmo da melhor forma possível, mas o que torna inteligível. Se toda posse de uma essência ou de uma propriedade resulta da participação a uma Ideia, toda perda se explica por uma não participação. A alma é essencialmente ligada à Ideia de vida, à qual faz participar tudo em que ela entra: falar de uma alma morta é tão contraditório quanto falar de neve derretida. A causalidade das Ideias nos permite demonstrar que a alma é imortal, e não que nossas próprias almas são indestrutíveis, que elas continuarão a existir, senão a viver. Mas este não é o ponto do Fédon: falar filosoficamente sobre a morte é o meio de aprofundar a compreensão que a alma tem dela mesma e disto que é.
Sócrates nos aconselha a não esquecer que devemos um galo a Esculápio [deus da Medicina]. Do que ele nos curou? Do medo da morte, de uma vida presa ao corpo, do ódio dos raciocínios? De tudo isto que nos desviava da filosofia?