Brun: A morte de Sócrates

A morte de Sócrates, segundo Jean Brun

Repetidas vezes se quis fazer de Platão o primeiro filósofo ocidental para quem sabedoria era sinônimo de conhecimento. Para um Nietzsche uma tal atitude consagraria a perda definitiva da grandeza dessa visão trágica do mundo que se encontrava nos primeiros filósofos gregos; para um L. Brunschvicg, o esforço platônico apoiado sobre o «aqui não entre quem não seja geômetra» teria sido, pelo contrário, uma tentativa meritória que iria anunciar a civilização dos tempos modernos; mas uma tentativa modesta de mais que não foi capaz de se libertar de maneira definitiva dessa forma de pensamento pré-lógico que é o mito. Por muito sugestivas que sejam estas apreciações fundamentalmente opostas, esquecem que se Platão conseguiu encontrar, no ensino de vários pitagóricos, ao mesmo tempo uma ciência e uma mística do número, o acontecimento capital que marcou a sua vida foi a condenação à morte de Sócrates, a um ponto tal que se pode dizer que a morte de Sócrates teve no desenvolvimento do pensamento de Platão uma influência maior que o seu ensino.

A morte de Sócrates é um escândalo e um crime cometido pela Cidade, mas como é que o Mal se sobrepôs ao Bem, a Mentira à Verdade e a Injustiça à Justiça? Sócrates tinha levado uma vida exemplar, defendendo a sua cidade quando esta se encontrava em perigo e esforçando-se por fazer refletir os Atenienses de modo a torná-los melhores; no entanto, Sócrates, que nas suas conversas dialogadas desmontava com a sua maiêutica e a sua ironia os argumentos especiosos dos sofistas, foi vencido por advogados odiosos e sem talento. Ao ensinar a virtude e ao dar o exemplo, Sócrates atraiu a inimizade e a calúnia de acusadores que o denunciam como ímpio e corruptor da juventude; como pôde a cidade de Atenas ser a tal ponto ingrata com um dos seus melhores cidadãos, como podem ter sido os discursos falsos mais persuasivos que os verdadeiros? Eis a questão posta por Platão e que o levou a colocar o problema da educação dos homens e da organização da Cidade no fulcro da sua filosofia. A filosofia deve dar-nos a luz que nos permita encontrar a justiça na vida privada e na vida pública. As viagens de Platão à Sicília, a extensão da República, do Político e das Leis testemunham da importância atribuída por Platão aos problemas de ética e de política; é necessário preparar os homens para uma vida justa e para a compreensão de que uma cidade só será próspera se os filósofos governarem ou se os governantes se dedicarem à filosofia (República, V, 473, d, Carta VII, 326 b ).

Deste modo, se podemos dizer com Nietzsche que os predecessores de Platão eram antes de tudo pensadores trágicos que meditavam sobre a condição do homem perante a Natureza e o Destino, não é menos verdadeiro afirmar que Platão refletiu sobre um outro aspecto trágico da condição humana: aquele que lhe foi revelado pela condenação à morte de Sócrates e que provém da injustiça da Cidade. Se existe uma tragédia do homem no mundo, tragédia que mais de um poeta e mais de um mito nos contam, também existe uma tragédia do homem na Cidade, mas esta não é apenas um drama vivido, deve ser também um drama denunciado. Foi a essa tarefa que Platão dedicou a sua vida.

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