Assim, os números, as figuras geométricas, são ideias, o sensível só pode ser entendido pelo inteligível, o objeto só pode ser definido por uma atividade do juízo; além disso a matemática é apenas uma propedêutica, não nos dá a Justa Medida; importa portanto pormenorizar aquilo que Platão entende por ideia.
Não são só os números, efetivamente, que procedem de uma essência estável. Quando, no Hípias maior, Hípias diz que «o belo é uma bela rapariga» (287 e), dá um exemplo de coisa bela sem ter definido a Beleza; pois, como faz notar Sócrates, também se fala de «bela lira» ou mesmo de «bela marmita»; se uma coisa é bela, é porque existe algo que dá beleza às coisas belas (288 a); é a presença do Belo em si que confere a beleza a tudo aquilo que reconhecemos como tal. Assim, «aquele que reconhece a existência da beleza absoluta (auto kalon) e que é capaz de apreender ao mesmo tempo essa beleza e as coisas que participam dela, sem confundir essas coisas com o belo nem o belo com essas coisas» (Rep., V. 476 cd), esse possui uma verdadeira vida e o seu pensamento é um conhecimento. Assim, uma coisa não é bela em si, mas antes porque participa do Belo em si (Fédon, 100 cd) e «a beleza que reside neste ou naquele corpo é a irmã da beleza que reside noutro, e, supondo que se deva perseguir a beleza que reside na forma […] seria o cúmulo da loucura não considerar como una e idêntica a beleza que reside em todos os corpos» (Banquete, 210 ao). Deste modo, assim como o Lísis (219 c) nos mostrou que indo de objetos amados em objetos amados chegamos a um princípio que não nos deve remeter para outro objeto amado, mas que deve ser o objeto de amor primeiro em vista do qual dizemos que todos os outros são amados, devemos também falar de um Belo em si, dum Igual em si, etc; assim, de cada si podemos falar do seu Real em si, do seu ser (Fédon, 78 d) que permanece idêntico e uno sem alteração. No Parmênides (130 c), Sócrates hesita quando Parmênides lhe pergunta se existe uma ideia do cabelo, da lama, da sujidade, e Parmênides responde-lhe que é por ele ainda ser novo que não sabe o que responder; quando a filosofia se tiver apoderado dele não desprezará nenhuma daquelas coisas, pois não existe nada vil na casa de Zeus.
De fato, as coisas não são fruto do acaso mas antes de uma ordem, de uma justeza, de uma justiça, de uma arte adaptada à natureza de cada coisa; quer se trate da alma, de um animal, de um corpo ou de um móvel, «a virtude de cada coisa consiste numa ordenação e numa disposição feliz resultante da ordem» (Górgias, 506 d). Podemos desde logo compreender o exemplo célebre das três camas, dado na República (596 o e seg.). Á cama que vemos no quadro do pintor é um quadro aparente, a cama feita pelo carpinteiro é Uma cama particular, mas Deus não é o artesão desta ou daquela cama, é aquele que fez a cama essencial. Deste modo, a ideia insere-se na estrutura do mundo, que lhe dá o seu total sentido.
Por isso a definição de ideia que nos foi transmitida por Xenocrates corresponde de fato ao ensinamento de Platão: «A ideia é a causa que serve de modelo (aitia paradeigmatike) para os objetos cuja constituição se inscreve para toda a eternidade na natureza (citado por Proclus, in Parm., V, 136).