Brun: Participação e separação

A finalidade do Sofista era, não devemos esquecê-lo, chegar à definição desse estranho personagem que tinha recusado ser chamado professor de mentiras a pretexto de que não se poderia falar daquilo que não é. O «parricida» vai permitir-nos agarrar este sofista que se tinha refugiado num refúgio inexpugnável.

Podemos agora dizer que existem discursos falsos, «uma reunião de verbos e de nomes, que, acerca de ti, enuncia, na verdade, como outro, aquilo que é o mesmo, e, como sendo, aquilo que não é; eis, segundo parece, exatamente, a espécie de reunião que constitui realmente e verdadeiramente um discurso falso» (263 d). O sofista cultiva uma arte da imitação que se apoia na opinião: a doxo mimética (267 e), o sofista é um imitador do sábio (268 e). Mistura os gêneros que não podem ser misturados, refugia-se no aparentar ser. O sofista tem a pretensão de nos dar aquilo que não se dá; é assim que faz de professor de virtude, ao querer reduzir esta a uma habilidade que bastaria conhecer; também torna móbil aquilo que não o é, e assim o seu subjetivismo e o seu mobilismo privam-nos da ideia que permanece.

O sofista é portanto aquele que faz participar umas às outras coisas que devem ser separadas e que separa aquilo que deve ser unido. A participação para a qual trabalham os prestígios da sua retórica exerce-se no plano da horizontalidade das coisas que compõe entre si mas de que é incapaz de fazer a síntese porque se move nesse reino da opinião em que estão encerrados os prisioneiros da caverna. A retórica é uma técnica da aparência.

Muito diferente é o caso da dialética que é a suprema ciência reservada ao filósofo. Longe de ser uma técnica da aparência, que mistura todas as coisas no plano dessa horizontalidade separada do ser, a fim de se poder entregar às mil e uma possibilidades da confusão, a dialética, longe de misturar as cópias umas com as outras, deve procurar ver como devem as cópias ser ligadas à ideia que é o ser do seu aparentar. É portanto à ideia de ser que se aplicam perpetuamente os raciocínios de um filósofo «e é graças ao esplendor dessa região que também ele não é fácil de ver. É que os olhos da alma vulgar não têm capacidade para manter o olhar fixo no divino» (254 ab). A dialética procura seguir esse ser que «percorre» todos os gêneros, procura as consonâncias e as divisões, por isso «aquele que disso for capaz, o seu olhar será suficientemente penetrante para se aperceber de uma ideia única aberta em todos os sentidos através de uma pluralidade de ideias de que cada uma permanece distinta; uma pluralidade de ideias, mutuamente diferentes, que uma ideia única envolve exteriormente, uma ideia única espalhada por uma pluralidade de conjuntos sem romper a sua unidade; por fim numerosas ideias absolutamente solitárias. Ora ser capaz disto é saber discernir, gênero por gênero, que associações são, para cada um deles, possíveis ou impossíveis» (253 de).

Dizer que o ser não é, mas que percorre todos os gêneros, é dizer que não é isto ou aquilo, mas aquilo por que existe o isto ou o aquilo; por isso Platão diz que o ser, participando do outro, será outro que não o resto dos gêneros, «outro que não todos eles, não é portanto nem nenhum deles tomado separadamente, nem a totalidade dos outros menos si próprio»; o ser não é porque nega todos os não-seres que o afirmam muito mais pelo não que eles são do que pelo ser que não são. Por isso «as vezes que são os outros, são as vezes que o ser não é» (257 a).

Assim poderemos dizer que o ser está ao mesmo tempo separado em não-seres que são, e separado dos não-seres que ele não é, «Ele, de fato, não é deles, mas é o seu único si, e em toda a infinidade da sua quantidade, por sua vez os outros não são» (Sofista, 257 a). Como diz muito bem A. Diès: «O não-ser é tão real quanto o ser; a cada posição do ser corresponde a infinidade das negações que esta posição acarreta, a multiplicidade inumerável das existências que não são ele, apesar de serem, e que ele não é, apesar de ser1

Por isso o Mesmo e o Outro fazem parte dos cinco grandes gêneros do Sofista, pois o ser é sempre o mesmo aqui e ali, mas é sempre outro, visto que não está só aqui ou ali. E assim o Mesmo e o Outro reencontram-se ao mesmo tempo na alma do mundo e na alma humana.

O Demiurgo, diz-nos o Timeu, construiu um mundo segundo outro mundo «idêntico e uniforme» (Timeu, 29 ab), de modo que este nosso mundo é a imagem e a cópia de um outro mundo eterno. Esse mundo eterno é um vivo que possui uma alma, essa alma do mundo foi feita pelo Demiurgo misturando a substância indivisível e invariável com a substância divisível, e assim obteve uma terceira substância contentora do Mesmo e do Outro (34 b e seg. — texto difícil e mal transcrito) e em seguida misturou, essas três substâncias e combinou-as numa substância única; «a Alma é portanto formada pela natureza do Mesmo e pela natureza do Outro e pela terceira substância. Composta com a mistura dessas três realidades, dividida e unificada matematicamente, move-se por si em círculo, girando sobre si própria. E segundo entra em contato com um objeto que possua uma substância divisível, ou com um objeto que possua uma substância indivisível, proclama, movendo-se, com todo o seu ser próprio, a que substância é idêntico e com que substância difere. Mas sobretudo manifesta em relação a quê, quando e como acontece às coisas que devêm, ser e sofrer umas em relação às outras, ou em relação às coisas sempre imutáveis» (37 ab).

Em seguida o Demiurgo fez outra mistura dentro da cratera em que tinha fundido a Alma do Todo e separou-o num número de almas igual ao dos astros e ensinou-lhes a natureza do Todo (41 de). Em seguida essas almas foram atiradas nos instrumentos do tempo e ligadas a um corpo. Mas esse corpo possui os movimentos mais ou menos violentos da terra, da água, do fogo e do ar que o compõem, de maneira que a alma é perturbada por esses movimentos e em lugar de ter conhecimentos tem apenas sensações. Quando os movimentos do corpo vêm perturbar as revoluções das almas, «então chamam àquilo que é o Mesmo que uma coisa ou àquilo que é o Outro nomes contrários aos nomes verdadeiros e ficam mentirosas e loucas» (44 a). Mas quando as revoluções da alma prevalecem sobre a afluência das substâncias que compõem o corpo, então as almas «dão ao Outro e ao Mesmo os seus nomes certos, e fazem com que aquele que os possui adquira o bom senso» (44 b).

Será esta a tarefa da dialética: apreender o Mesmo e apreender o Outro, seguir as articulações, como o cortador de carnes que corta segundo os pontos em que os membros se juntam (Fedro, 265 c). A dialética é um esforço para coincidir através do logos com a participação das ideias, participação que implica uma estrutura do mundo a partir da qual as coisas foram separadas umas das outras. A dialética é portanto um esforço para apreender em que é que aquilo que está separado deve ser unido, não segundo a medida do homem, mas segundo a medida do deus.

O Filebo contém, entre outras coisas, uma distinção entre quatro gêneros do ser: a ilimitação (to apeiron), o limite que mede (to peras), a mistura dos dois anteriores (to mikton) e a causa da mistura (e aitia). As hipóteses dos comentadores para identificar estes quatro gêneros são extremamente numerosas; encontra-se delas uma boa exposição em G. Rodier, a quem retiramos todas as conclusões2. A ideia é esse misto composto de «limite-medida» e de «ilimitação», ou seja, de unidade e de multiplicidade, na medida em que a ideia tem uma compreensão e uma extensão: a ideia de triângulo, por exemplo, implica uma essência que delimita essa ideia e uma multiplicidade de triângulos que entram nessa ideia. Mas o sensível é, também ele, um misto cujo «limite-medida» é a ideia e a ilimitação o fluido do devir. No universo e no homem o «limite-medida» é a alma. Quanto à causa da mistura é a deusa (26 b) que preside à harmonia do mundo em que o finito e o indefinido estão unidos e conciliados.

Assim, a dialética é de novo particularizada, imita, se bem que de modo imperfeito, essa causa, supremo princípio de organização, tenta coincidir com o princípio da mistura: «Visto que os gêneros, estamos de acordo, são, também eles, mutuamente susceptíveis de tais misturas, não será obrigatoriamente necessária uma ciência para nos guiarmos através dos discursos, se quisermos indicar com justeza quais os gêneros mutuamente consoantes e quais aqueles que não se suportam; mostrar que alguns há até que, estabelecendo a continuidade por todos, tornam possível as suas combinações, e se, pelo contrário, nas divisões, outros não há que, entre os conjuntos, são os fatores dessa divisão?» (Sofista, 253 bc).

A dialética possui portanto uma virtude insubstituível pois é um esforço para participar naquilo que vem de cima e, quando se exerce sobre o diálogo, visa provocar no interlocutor essa anamnese capaz de lhe devolver a luz que a sua alma outrora contemplou de frente quando acompanhava os deuses no seu cortejo, mas de que já não possui senão uma claridade desde que perdeu as asas e caiu num corpo.

A virtude do diálogo é insubstituível pois implica a presença de dois seres que procuram comunicar; Sócrates, que não nos deixou qualquer obra escrita, desconfiou da escrita na qual vê (Fedro, 275 ab) um simples meio de provocar a rememoração, mas não aquilo capaz de substituir a reminiscência. O perigo é que os homens tomem a escrita como algo que fala e que é capaz de substituir o conhecimento; não se interroga um livro, mas interroga-se um homem. Assim, a escrita, primeira técnica da comunicação, surge a Sócrates não como aquilo que reúne os homens uns com os outros, mas como aquilo que os afasta com a sua pretensão de substituir o logos.

Pois o logos é ao mesmo tempo aquilo que nos liga ao que está em cima e pertence aos deuses, e aquilo que nos amarra ao que fica em baixo e se mantém com o comum dos homens (Crátilo, 408 c). É, como o amor, uma espécie de intermediário entre os homens e os deuses encarregado de transmitir a uns aquilo que vem dos outros, é ao mesmo tempo rico e pobre apanhado entre um inefável onde morre e uma tagarelice onde se degrada.

É portanto, um pouco como o ser, a aposta de um «combate de gigantes» do gênero daquele que surge no Sofista. Platão diz-nos aí (246 a) que podemos agora mandar embora, de costas viradas, aqueles que lutam numa gigantomaquia na qual uns querem atrair o ser à terra, enquanto os outros querem permanecer no céu. Propuseram-se muitas interpretações para identificar exatamente o que Platão designa por «filhos da terra» e «amigos das ideias»; parece que se trata de duas atitudes, mais do que duas escolas filosóficas determinadas. Os «filhos da terra» são os materialistas que «tentam atrair sobre a terra tudo aquilo que é do céu e do invisível»; para eles o corpo (soma) e a existência (ousia) são idênticos. Os «amigos das ideias», pelo contrário, defendem-se do alto de uma região invisível, «lutando para estabelecer que certas ideias inteligíveis e incorporais são a verdadeira existência. Quanto ao corpo que os primeiros defendem, quanto à sua «única Verdade», são eles que a quebram e a desfazem em cada argumento, e, recusando-lhe o nome de existência, querem ver nela apenas um móbil devir» (246 bc). Os primeiros querem, portanto, fixar o ser à terra, os segundos não querem que ele a ela desça.

Esse ser está entre os dois, na medida em que, vindo do céu, habita igualmente sobre a terra. O mesmo se passa com o logos; se perdermos uma dessas duas raízes estamos condenados ao silêncio da região indizível ou à retórica daqueles que, para a ignorar, fazem do discurso o instrumento da mentira e da calúnia que vimos manobrada pelos acusadores de Sócrates.

Que o homem fale implica que ele tem algo para dizer, mas também que não possa dizer tudo. Finalmente o Bem, que ultrapassa tudo em presença e majestade, permanece «para lá da existência» apesar de as coisas lhe deverem a sua essência e a sua existência; é como o Sol a que todas as coisas devem o devir apesar de não ser ele o devir. Tentar preencher esse «além» da existência e da essência ao qual todas as coisas devem as suas, tal é a necessária e impossível tarefa do logos. Necessária, porque o logos deve ser sempre chamada para o Bem e chamada do Bem, impossível pois esse bem permanece sempre para lá de tudo aquilo que o homem pode atingir.

É ao «mito» que vai ser confiada a tarefa de nos dar um meio de aceder a esse inacessível pelo qual pensamos mas que não pensamos.


  1. La définition de l’Etre et la nature des idées dans «Le Sophiste» de Platon (Paris, 1933), p. 127. 

  2. Acerca deste diálogo, cf. Rodier, «Remarques sur le Philètae» (in Etudes de philo, grecque, p. 74). Lachelier, Note sur le «Philèbe» (in Oeuvres, t. II, p. 17). Robin, La pensée hellénique, p. 355; Platon, pp. 159 a 167. J. Moreau, L’âme du monde de Platon aux stoïciens (Paris, 1939), § 15.