d) O «Mênon» e a reminiscência: É neste texto (e no Fedro, 249 c) que surge mais nitidamente o ponto para o qual convergem os diferentes mitos de Platão. A teoria da reminiscência que nele se desenvolve implica efetivamente, ao mesmo tempo, uma metempsicose que coroa uma escatologia ético-religiosa e uma teoria do saber que põe por fim o acento no poderio do logos capaz de provocar em nós a reminiscencia de um conhecimento anterior.
O problema colocado no Mênon é o da virtude. À questão de se saber se a virtude pode ser ensinada, Sócrates responde dizendo que nunca encontrou ninguém que soubesse o que era a virtude; critica duas definições da virtude que Mênon lhe propõe e por fim os dois interlocutores chegam ao seguinte ponto:
Mênon. — Mas como irás tu fazer, Sócrates, para procurar uma coisa da qual não sabes em absoluto o que ela é? Qual é o ponto particular, entre tantos desconhecidos, que irás propor à tua busca? E supondo que caias por acaso no ponto certo, como irás tu reconhecê-lo, visto que não o conheces?
Sócrates. — Vejo o que queres dizer, Mênon. Que belo tema para uma disputa sofística! É a teoria segundo a qual não podemos procurar nem aquilo que não conhecemos, nem aquilo que conhecemos: aquilo que conhecemos, porque, conhecendo-o, não precisamos de o procurar; aquilo que não conhecemos, porque nem sequer sabemos o que estamos a procurar (80 de).
Sócrates recusa este sofisma dizendo que, segundo uma velha tradição contada pelos sacerdotes, sacerdotisas e poetas, de que Píndaro cita um fragmento, a alma do homem é imortal e renascente sem cessar em vidas diferentes; de modo que «tendo contemplado todas as coisas, tanto na terra como no Hades, não pode deixar de saber tudo. Não é portanto surpreendente que tenha, acerca da virtude e do resto, recordações daquilo que viu anteriormente. A natureza inteira sendo homogênea e a alma tendo tudo aprendido, nada impede que uma única recordação (o que os homens chamam saber) lhe traga todas as outras, se formos corajosos e obstinados na busca; pois a busca e o saber são apenas reminiscência (anamnesis)» (81 de).
Quando Mênon permanece céptico e pede uma prova, Sócrates manda aproximar-se um escravo e pede-lhe que desenhe um quadrado que seja o dobro de um quadrado de dois pés de comprimento; o escravo responde que basta duplicar o lado do quadrado e construir um quadrado de quatro pés de lado. Sócrates desenha a figura e o escravo é obrigado a reconhecer que o quadrado assim obtido não tem uma superfície dupla mas sim quádrupla em relação ao primeiro. O lado de quatro pés é portanto demasiado comprido, e o de dois pés naturalmente curto; o escravo responde então que um lado de três pés deve convir. Sócrates desenha a figura e o escravo percebe que o quadrado resultante mede nove pés quadrados quando deviam obter um quadrado de oito pés quadrados. Sócrates regressa ao quadrado inicial e ao seu quádruplo e traça uma linha de um ângulo ao outro em cada um dos quatro quadrados; o escravo vê que cada uma das linhas corta o quadrado em duas metades iguais e que o novo quadrado assim traçado contém quatro dessas metades. Eis-nos portanto em presença do quadrado que procurávamos. O escravo descobriu, portanto, um teorema de geometria, aquele segundo o qual o quadrado duplo de um dado quadrado é aquele que é construído sobre a diagonal deste. Assim, Sócrates conseguiu não ensinar um teorema de geometria a um escravo, mas provocar nele uma recordação graças à simples virtude do diálogo.
Podemos portanto dizer que a virtude não se aprende e que é uma dádiva dos deuses. A tarefa do filósofo é de provocar em nós o movimento de reminiscência que nos vai permitir reencontrar esse dom divino. Por isso Sócrates é uma espécie de tremelga, esse peixe que entorpece aqueles que o tocam, pois Sócrates paralisa com os seus discursos todos aqueles que julgavam poder dar uma resposta imediata a todos os problemas colocados pelos filósofos (Mênon, 80 a); mas, por outro lado, Sócrates é como a varejeira, que durante o dia inteiro acorda os Atenienses, não para de os aconselhar e de os impedir de adormecer na facilidade e na preguiça intelectual (cf. Apologia de Sócrates, 30 e). Essa arte de provocar a reminiscência de um saber esquecido, Sócrates compara-a com a profissão de parteira, que a sua mãe Fenárete praticava. A maiêutica é a arte de fazer os espíritos parir a verdade que está dentro deles, essa verdade que os homens não esqueceram mas que se esquecem de recordar.