MITOLOGIAS — PROMETEU — CASTIGO DE PROMETEU
Filosofia
Paul Diel: O SIMBOLISMO NA MITOLOGIA GREGA
Mesmo tendo conseguido resistir a Pandora, Prometeu não pode escapar ao castigo. A natureza do castigo já está indicada pela caixa da qual escapam os vícios. Epimeteu é o próprio Prometeu, o intelecto enfraquecido sob sua forma ofuscada, inseparável de seu aspecto revoltado. O mito faz uma distinção entre os dois irmãos-Titãs ao mesmo tempo em que os identifica, e expõe seu castigo por duas imagens distintas, porém de significação idêntica. Prometeu é punido pelo espírito, sofre o castigo da banalidade, é acorrentado ao rochedo, à terra.
O intelecto revoltado deu preferência à terra em lugar do espírito, desencadeou os desejos terrestres, e este desencadeamento é um encadeamento à terra. A falta carrega consigo seu próprio castigo, formando uma unidade. Esta justiça inerente é ressaltada por um outro símbolo: será Hefesto que, seguindo o veredicto de Zeus, acorrentará Prometeu. Enquanto executor da vontade de Zeus, da lei do espírito, Hefesto, divindade do fogo, é o símbolo do intelecto. O intelecto revoltado, por solicitação do espírito, é punido pelo intelecto: carrega a punição em si mesmo, inflige a si mesmo o castigo.
Acorrentado à terra árida, ao rochedo, o Titã, criador do homem pervertido, é vítima do tormento. Prometeu é diariamente atormentado por uma águia que lhe devora o fígado. O fígado dilacerado é símbolo da culpabilidade recalcada; a águia atormentadora representa o espírito negativo, a vaidade culpada, o meio de recalcamento. A águia, enquanto símbolo da culpabilidade recalcada, é um descendente de Équidna e de Tifeu. Com efeito, é a união da vaidade exaltada (Équidna) e da banalização (Tifeu) que caracteriza a situação do ser intelectualizado e enfraquecido, e esta união dá nascimento ao tormento de Prometeu. Se ele se encontrasse inteiramente banalizado, desprovido de qualquer aspiração em relação ao espírito (ainda que fosse uma aspiração impotente e, consequentemente, vaidosa, causa de seu “acorrentamento à terra”), não conheceria o tormento da culpabilidade, não seria dilacerado pela águia. Consumada a banalização, inteiramente seduzido e cego pela imaginação (como Epimeteu), ele se acomodaria em seu “encadeamento à terra”, não conheceria o remorso. O intelecto revoltado, ao contrário, mesmo acorrentado, não se encontra completamente em estado de “morte da alma”. O espírito vem visitá-lo.
A águia, em sua significação positiva, símbolo de lucidez penetrante, é um dos atributos de Zeus. Tanto quanto persistir a revolta , o chamado da culpabilidade não será reconhecido. O recalcamento transforma a verdade (a águia de Zeus) em remorso estéril, em remordimento de culpabilidade não expiada (a águia que devora, descendente de Tifeu e de Équidna). O intelecto revoltado, que sofre por estar oposto ao sentido da vida, culpado em relação ao espírito, acusa a vida e seu sentido, atribui ao espírito sua própria culpa. A mentira em relação a si mesmo torna-se mentira em relação à vida, torna-se cólera contra o sentido da vida, o espírito. Prometeu acorrentado vocifera suas acusações em direção ao céu, contra Zeus.
O Titã-blasfemador, criador do homem enfraquecido, permanece acorrentado apesar de suas imprecações, quer dizer que o homem continuará enfraquecido enquanto não conseguir libertar-se por sua própria força evolutiva. É Hércules, criatura de Prometeu, mas homem-herói, vencedor simbolicamente divinizado, aquele que venceu a banalização, que liberta o intelecto banalizado. Mata a águia com a ajuda de suas flechas (símbolo solar, símbolo do espírito que ilumina). A águia-devoradora pode ser morta pela arma do espírito, o remorso pode “morrer” com a única condição de que seja expiada a falta, que cesse a acusação odiosa e que nasça o arrependimento salutar. Libertado de seu tormento, o intelecto consegue, enfim, livrar-se de sua revolta inicial. O intelecto ressuscita da banalização para a vida do espírito. Hércules reconcilia Prometeu (o intelecto) com Zeus (o espírito). Filho simbólico do espírito desde seu nascimento, homem simbolicamente divinizado graças à sua perfeita purificação, Hércules é o herói-salvador que põe fim à falta inicial da vida consciente (pecado original).
Através dessa reconciliação entre Prometeu e Zeus (o intelecto e o espírito), as consequências da culpa inicial (rapto do fogo) são apagadas. O fogo levado aos mortais recobra sua significação positiva, converte-se na chama purificadora na qual se realiza o sacrifício sublime. O intelecto reconciliado retoma sua forma evolutiva, alcança a intensidade da espiritualização. Simbolicamente, Prometeu ocupa seu lugar entre as divindades. Para que o intelecto arrependido de sua revolta possa assumir seu lugar entre os imortais, é preciso que morra seu princípio negativo, a banalização.
Ora, vimos que esse princípio negativo, separável e distinto da significação de Prometeu, é o ofuscamento afetivo simbolizado por seu irmão Epimeteu. Na imagem usada para expressar a imortalização de Prometeu, seu irmão é substituído pelo Centauro Quíron. O homem ligado à besta, o Centauro, representa, com efeito, a bestialização banal; seu epíteto “o sábio” é tão somente uma ironia. Caracterizado por um ferimento incurável no pé, Quíron torna-se, tal como Epimeteu, símbolo do intelecto banalizado. No mito da imortalização de Prometeu, a morte de Quíron substitui a morte de Epimeteu. O Centauro, princípio da cura banal, deve morrer para que seja realizada a cura essencial, a evolução do intelecto em direção ao espírito.
O mito condensa essas relações de ordem psicológica num simbolismo dos mais expressivos: Quíron, o Centauro imortal, símbolo da banalização, implora a Zeus por sua morte para que possa escapar aos sofrimentos causados por seu ferimento incurável. Quíron oferece a Zeus sua imortalidade para que Prometeu a receba. Zeus aceita o pedido. O Titã que volta atrás em sua revolta prepara-se para juntar-se aos imortais, enquanto o Centauro morre.