Cibele

MISTÉRIOS — CIBELE

Pierre Gordon: IMAGEM DO MUNDO NA ANTIGUIDADE
Kybele ou Cibele provém da valorização consagrada à Montanha Sagrada, onde o mana transcendente contido nas alturas divinas se hipostasiava nos iniciados que aí se submetiam à liturgia de morte e de ressurreição. Cibele é a Mãe Divina em quem se personificava, para as comunidades de direito feminino, a radiância da montanha. Designa-se assim não somente a montanha divina ela mesma, mas frequentemente a caverna sagrada da montanha (é o caso da palavra Kybele), as águas sagradas fluindo da Montanha (é o caso de Cefiso e, por apócope, de Phison ou Phase), os rochedos e as pedras sagradas da montanha (Kaphas, Cephas), os minerais sagrados extraídos da montanha (cuprum), a ilha sagrada onde se encontravam a montanha ou metais sagrados (kupros), os animais sagrados vivendo na montanha (caper), os personagens sagrados habitando a gruta da montanha (as Sibilas encarnariam primitivamente Cibele, e, por esta, o mana da montanha santa).

René Guénon: SÍMBOLOS DA CIÊNCIA SAGRADA

Indicamos algumas vezes de modo ocasional as diversas fantasias linguísticas surgidas a propósito do nome Cibele; não retomaremos agora aquelas que, com toda evidência, são desprovidas de qualquer fundamento e que se devem apenas à imaginação excessiva de certas pessoas.1 Examinaremos apenas alguns paralelos que podem parecer mais sérios à primeira vista, mas que nem por isso deixam de ser injustificados. Assim, vimos ser lançada recentemente a suposição de que Cibele “parece ter seu nome derivado” do árabe qubbah, porque ela “era adorada nas grutas” em razão de seu caráter “ctoniano”. Essa pretensa etimologia tem no entanto dois defeitos, um dos quais bastaria para descartá-la: como a outra que examinaremos a seguir, ela só leva em conta as duas primeiras letras da raiz do nome Cibele, (Kybelê) e não seria necessário insistir que a terceira letra é tão importante quanto as duas outras; em segundo lugar, ela na realidade repousa sobre um contrassenso puro e simples. De fato, qubbah jamais quis dizer “abóbada, sala abobadada, cripta”, como acredita o autor dessa hipótese; essa palavra designa uma cúpula ou um domo, cujo simbolismo é “celeste” e não “terrestre”, portanto exatamente o oposto do caráter atribuído a Cibele ou à “Grande Mãe”. Como já explicamos em outros estudos, a cúpula domina um edifício de base quadrada, portanto de forma geralmente cúbica, e é essa parte quadrada ou cúbica que, no conjunto assim constituído, tem um simbolismo “terrestre”. Isso nos leva diretamente a examinar uma outra hipótese que foi formulada com muita frequência a respeito da origem do próprio nome Cibele, e que tem uma particular importância para o que nos propomos no momento.

Pretendeu-se que Kybelê derivava de kybos. Aqui, pelo menos, não há o contrassenso que acabamos de assinalar;mas, por outro lado, essa etimologia tem em comum com a precedente o defeito de só levar em consideração as duas primeiras das três letras que constituem a raiz de Kybelê, o que a torna igualmente impossível do ponto de vista específico da linguística.2 Se quisermos ver apenas entre as duas palavras uma certa similaridade fonética que pode, como acontece muitas vezes, ter algum valor do ponto de vista simbólico, isso é uma coisa bem diferente. Antes porém de estudar mais de perto esse ponto, diremos que, na realidade, o nome Kybelê não é de origem grega, e que além disso sua verdadeira etimologia nada tem de enigmático ou de duvidoso. Esse nome, de fato, liga-se diretamente ao hebreu gebal e ao árabe jabal, “montanha”; a diferença da primeira letra não pode dar margem a qualquer objeção a esse respeito, pois a mudança de g em k, ou inversamente, é uma modificação apenas secundária e que pode ser encontrada em muitos outros exemplos.3 Assim, Cibele é exatamente a “deusa da montanha”;4 e, fato digno de nota, seu nome, nessa significação, é o equivalente exato de Pârvatí na tradição hindu.


NOTAS:


  1. Não voltaremos portanto à assimilação de Cibele a uma “cavala” (“égua”), nem ao paralelo que se pretendeu estabelecer com a designação da “cavalaria”, nem também a outra comparação igualmente imaginária com a “Cabala”. 

  2. É mesmo muito duvidoso, apesar de uma sinonímia exata e da similaridade fonética parcial, que possa existir um verdadeiro parentesco linguístico entre o grego Kybos e o árabe Kaab, (ambos significam “cubo”), em razão da presença no segundo da letra ayn. Pelo fato desta letra não ter equivalente nas línguas europeias e não poder realmente ser transcrita, os ocidentais a esquecem ou a omitem com grande frequência, o que leva como consequência a inúmeras assimilações errôneas entre palavras cujas raízes são claramente diferentes. 

  3. Assim, a palavra hebreia e árabe kabir tem um parentesco evidente com o hebreu gibor e o árabe jabbâr; é verdade que a primeira tem o sentido principal de “grande” e as duas outras de “forte”, o que nada mais é que uma simples nuance; os Giborim do Gênesis são ao mesmo tempo “gigantes” e “homens fortes”. 

  4. Gebal era também o nome da cidade fenícia de Biblos; seus habitantes eram denominados Giblim, e esse nome permaneceu como “senha” na maçonaria. Há a esse respeito um paralelo que parece jamais ter sido feito: seja qual for a origem histórica da designação dos gibelinos (ghibellini) na Idade Média, ela apresenta como o nome Giblim uma similaridade das mais surpreendentes e, se nada mais for que uma “coincidência”, é ao menos bastante curiosa.