Cinturão da Rainha das Amazonas

Mitologia Grega – Hércules – Doze Trabalhos – Cinturão da Rainha das Amazonas

Paul Diel

Hércules enfrenta vitoriosamente as Amazonas. Ora, as Amazonas são simbolicamente caracterizadas como “mulheres assassinas de homens”, querem substituir o homem, rivalizar com ele, combatendo-o em lugar de completá-lo. Dado que todo simbolismo reporta-se à vida da alma, a Amazona, assassina da alma, só pode caracterizar a mulher que rivaliza de uma maneira doentia (histérica) com a única qualidade essencial que interessa ao mito, o impulso espiritual. Esta rivalidade esgota a força essencial própria à mulher, a qualidade de amante e de mãe, o calor da alma. No entanto, existem mulheres cuja força espiritual ultrapassa naturalmente a da maioria dos homens. A exclusividade da eleição amorosa não tem importância senão para o homem ou a mulher dotados de qualidades que ultrapassam a norma e cujo desenvolvimento éxige complementaridade. O que o mito estigmatiza através do símbolo Amazona (o que faz a mulher nervosa) é a ausência da qualidade especificamente feminina e a predominância de uma rivalidade exaltada, puramente imaginativa, em relação à qualidade masculina. O símbolo “Hércules, vencedor da rainha das Amazonas” exclui da história do herói atraído pela banalização o atrativo sedutor de um tipo feminino que é frequentemente a encarnação do perigo que ameaça os heróis sentimentais.

Mário Meunier

Outra vez, como a filha de Euristeu, Admeto, desejasse o magnífico e soberbo cinturão que Hipólita, rainha das Amazonas, possuía, o príncipe, para ser agradável à sua filha, encarregou Hércules de ir buscá-lo. Quando o Herói, com numerosos companheiros, chegou ao país das Amazonas, mulheres guerreiras que combatiam a cavalo, atirando ao arco ou manejando a machadinha, e que, segundo diziam, viviam às margens longínquas do Mar Negro, constituindo uma nação sem homens, sua bela rainha, Hipólita, recebeu-o, a princípio, com grande bondade, prometendo dar-lhe seu cinturão. Mas a inimiga de Hércules, Hera do trono de ouro, disforçada em Amazona, excitou a indignação das virgens guerreiras, dizendo-lhes que Hércules tinha vindo raptar-lhes a rainha. Uma luta terrível começou contra ele. Grande número de terríveis cavaleiras sucumbiu no combate. A própria rainha foi morta por Hércules, e o Herói pôde assim facilmente levar o precioso cinturão e oferece-lo a Admeto, a filha de seu senhor.

Robert Graves

1. Se Admeto era o nome da princesa em nome de quem Hércules realizou todas essas tarefas matrimoniais, o fato de lhe retirar o cinturão na câmara nupcial deve ter então marcado o fim de seus Trabalhos. Mas, primeiro, Admeto teria tido que lutar com ele, assim como lutou Hipólita, e como lutou Pentesileia com Aquiles (vide 164. a e 2), ou Tétis com Peleu (vide 81. k), cuja introdução na história é assim explicada. Nesse caso, ela deve ter passado por suas transformações habituais, o que indica que a Hidra de tipo siba era Admeto — a serpente guardiã do ouro, que ele derrotou manifestando-se como Ladão (vide 133. a) — e que pôde também ter-se transformado em caranguejo (vide 124. e), em corça (vide 125. c), em égua selvagem (vide 16. f ) e em nuvem (vide 126. b) antes que ele conseguisse conquistar a sua virgindade.

2. Em Éfeso e em outras cidades da Ásia Menor, subsistia ainda uma tradição de sacerdotisas armadas, mas os mitógrafos gregos, tendo esquecido a existência anterior de colégios análogos em Atenas e em outras cidades da própria Grécia, enviaram Hércules ao mar Negro em busca do cinturão de Hipólita, onde as tribos matriarcais continuavam ativas (vide 100. 1). O sistema de três tribos é a regra geral na sociedade matriarcal. O fato de o cinturão pertencer a uma filha de Briareu (“forte”), um dos gigantes de cem mãos, evoca uma presença primitiva da história das provas nupciais na Grécia setentrional.

3. Admeto é um dos nomes de Atena, que certamente aparecia nos ícones, rodeada por desenhos heráldicos, observando as façanhas de Hércules e ajudando-o nos momentos de dificuldade. Atena era Neith, a deusa líbia do amor e da guerra (vide 8. 1). Seu equivalente na Ásia Menor era a grande deusa-Lua Marian, Mirina, Ay-Mari, Mariamne ou Marienna, a quem os troianos adoravam como “Mirina Saltitante” (Homero: Ilíada II. 814), e que deu seu nome a Mariandina (“Duna de Marian”) e a Mirina, a cidade dos lemnianos ginocráticos (vide 149. 1) “Esmirna” é também “Mirina”, precedida pelo artigo definido. Marienna, a forma suméria, significa “Mãe fertilíssima”, e a Ártemis Efésia era uma deusa da fertilidade.

4. Diz-se que Mirina viu-se em apuros no meio de uma tempestade e que foi salva pela Mãe dos Deuses, em cuja homenagem ergueu altares na Samotrácia, porque ela mesma era a Mãe dos Deuses e seus ritos salvavam os marinheiros do naufrágio (vide 149. 2). Uma mãe-deusa muito parecida era adorada, na Antiguidade, na Trácia, na região do rio Tanais (Don), na Armênia, em toda a Ásia Menor e na Síria. A expedição de Teseu à Amazônia, mito que segue o modelo do de Hércules, confundiu o tema e induziu os mitógrafos a inventarem a fictícia invasão de Atenas por um contingente unido de amazonas e citas (vide 100. c).

5. Que as amazonas tenham colocado uma imagem debaixo de uma faia efésia é um erro cometido por Calímaco, o qual, por ser egípcio, não sabia que as faias não crescem tanto ao sul. Devia-se tratar de uma tamareira, símbolo da fertilidade (vide 14. 2), e de uma evocação da origem líbia da deusa, pois sua estátua era adornada com grandes tâmaras douradas, geralmente confundidas com peitos. A derrota das amazonas infligida por Mopso é a história da derrota dos hititas frente aos mosquianos em torno de 1200 a.C. Em sua origem, os hititas haviam sido absolutamente patriarcais, mas, sob a influência das sociedades matriarcais da Ásia Menor e da Babilônia, eles acabaram aceitando o culto da deusa. Em Hattusas, sua capital, Garstang descobriu recentemente um relevo escultural que apresenta uma deusa da guerra. Garstang considera que o culto da Ártemis Efésia é de origem hitita. As vitórias sobre as amazonas obtidas por Hércules, Teseu, Dionísio, Mopso e outros indicam, na verdade, golpes contra o sistema matriarcal na Grécia, Ásia Menor, Trácia e Síria.

6. Estêvão de Bizâncio (sub Paros) constata a tradição conforme a qual Paros era uma colônia cretense. A expedição que Hércules empreendeu até lá se refere a uma ocupação helênica da ilha. A cessão que ele fez de Tasos aos filhos de Androgeu é uma referência à captura da ilha por um grupo de pários mencionado em Tucídides IV. 104. Isso ocorreu no fim do século VIII a.C. Os eubeus colonizaram Torone mais ou menos na mesma época. Torone (“rainha aguda”) é representada como filha de Proteu (Estêvão de Bizâncio sub Torone). Mas o machado duplo de Hipólita (labrys) não foi colocado na mão de Zeus Labradiano no lugar de um raio; ele mesmo era um raio e Zeus o segurava com a permissão da deusa cretense que governava a Lídia.

7. Os gárgares são os gogarênios que Ezequiel chama de Gog (Ezequiel XXXVIII e XXXIX).

8. Em seu relato sobre Mirina, Diodoro Sículo cita antigas tradições líbias que já haviam adquirido um brilho de contos de fadas. Não obstante, é já um fato aceito que, no terceiro milênio a.C., emigrantes neolíticos saíram da Líbia em todas as direções, provavelmente expulsos pela inundação de seus campos (vide 39. 3-6). O delta do Nilo era em grande parte populado por líbios.

9. Segundo Apolônio de Rodes (I. 1.126-1.129), Títias era “um dos três únicos Dáctilos (‘dedos’) ideus que pronunciam sentenças”. Ele menciona também um outro dáctilo, “Cilênio”. Já demonstrei (A deusa branca, p. 281) que, na digitomancia, o dáctilo Títias representava o dedo médio; que aquele tal de Cilênio, cognome de Hércules, era o polegar e que Dáscilo, o terceiro dáctilo, era o dedo indicador, assim como o seu nome indica (vide 53. 1). Esses três dedos levantados, enquanto o quarto e o mindinho estão virados para baixo, formavam a “bênção frígia”, que originalmente se dava em nome de Mirina e que agora é utilizada pelos sacerdotes católicos em nome da Santíssima Trindade.

10. Tício, que foi morto por Apolo (vide 21. d), pode ser um duplo de Títias. A tomada da ilha de Cerne por Mirina parece constituir um acréscimo tardio e não autorizado à história. Cerne foi identificada como sendo Fedallah, perto de Fez, ou Santa Cruz, perto do cabo Ghir, ou (mais provavelmente) Arguin, um pouco ao sul do Cabo Branco. Ela foi descoberta e colonizada pelo cartaginês Hanno, que a descreveu como situada tão longe das Colunas de Hércules quanto distam estas de Cartago, e ela se transformou no grande entreposto do comércio da África ocidental.

11. Isso é tudo quanto aos elementos míticos do Nono Trabalho. Entretanto, a expedição de Hércules ao Termodonte e suas guerras na Mísia e na Frígia não devem ser desprezadas por carecerem de absoluto rigor histórico. Assim como a viagem do Argo (vide 148. 10), elas registram as aventuras comerciais gregas no mar Negro até uma época tão remota como talvez meados do segundo milênio a.C. A intrusão dos mínios de Iolco, dos aqueus de Egina e dos argivos nessas águas indica que, por mais bela que tenha sido Helena, e apesar de ter fugido com Páris de Troia, não foi o seu rosto que levou mil navios a se lançarem ao mar, mas os interesses mercantis da época. Aquiles, filho de Peleu; Ájax, filho de Télamon; e Diomedes, o argivo, se encontravam entre os aliados gregos de Agamênon, que insistiam que Príamo devia permitir a livre passagem deles pelo Helesponto assim como seus pais passavam livremente outrora, a menos que ele quisesse que sua cidade fosse saqueada como havia sido a de Laomedonte, aliás, pela mesma razão (vide 137. 1). Aqui se explica a duvidosa alegação dos atenienses de que haviam sido representados por Teseu na expedição de Hércules, por Falero na viagem do Argo e por Menesteu, Demofoonte e Acamante em Troia. Com isso, eles tentavam justificar seu domínio do comércio no mar Negro, finalmente possibilitado graças à destruição de Troia e à decadência de Rodes (vide 159. 2; 160. 2-3 e 162. 3).



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