Excertos de “Teísmo Helênico e Ateísmo Atual” de António Freire
Para melhor situarmos a evolução do pensamento teológico de Platão, convém ter presente a cronologia dos seus Diálogos, embora, por motivos de sistematização e estética, não sigamos, na exposição, essa ordem cronológica.
Conservam-se uns 36 Diálogos de Platão, cuja autenticidade está longe de obter a adesão unânime dos críticos. Ast e Zeller consideram espúrias as Leis; Ueberweg e outros rejeitam o Parmênides, o Sofista e o Político; alguns extremistas chegaram a reduzir o número dos diálogos autênticos a nove!
Hoje, porém, como observa Taylor, é opinião geralmente aceite que qualquer diálogo de certa extensão e interesse na lista dos trinta e seis é platônico. A Carta VII é tida como provavelmente autêntica.
A cronologia dos Diálogos de Platão tem sido objecto de porfiados estudos e acalorados debates. O problema preocupou já os Antigos. Diógenes Laércio transmitiu-nos um catálogo feito por Trasilo nos tempos de Tibério, em que os diálogos considerados autênticos são apresentados na forma de tetratologias. Até ao século XIX, só Se sabia ao certo que as Leis haviam sido a última obra de Platão, pelo testemunho de Aristóteles e de Laércio, o qual nos diz ter Filipe de Oponte transcrito as Leis de umas tábuas de cera, em que Platão as havia exarado.
No século XIX, começaram os estudos científicos da questão. Para Schleiermacher, os diálogos platônicos têm um encadeamento natural: cada um se funda no precedente e serve de base ao seguinte: o Fedro que, segundo Schleiermacher representa o centro do pensamento platônico, seria o primeiro diálogo, e o Sofista o último. Critério muito subjectivo, como se vê. Subjectivo era também o procedimento de E. Munk, que considerava a obra de Platão como biografia completa de Sócrates. Por isso, o Parmênides, em que Sócrates aparece jovem, inauguraria a série dos Diálogos; e o Fédon, que descreve a morte de Sócrates, seria o último.
Em 1867, empregou L. Campbell pela primeira vez o método estilométrico, baseado nas particularidades estilísticas. Na mesma linha seguiram W. Dittenberger que estudou os vários empregos de men, osper e kathaper; M. Schanz que estudou as expressões para ser e verdade; Ritter, as fórmulas de resposta; H. von Arnim, os modos de afirmação; Lutoslawski recolheu as investigações precedentes e divulgou o método estilístico; Ritter, após polémica com Zeller, consagrou definitivamente o método.
E costume distinguir três períodos na composição dos Diálogos de Platão, embora o seu pensamento não seja rectilíneo nem sistemático nem sempre progressivo: muitas vezes, Platão torna a pôr em questão posições anteriores.
1) Diálogos socráticos: a personagem principal é Sócrates: busca-se uma definição; o diálogo geralmente não conclui (diálogo aporético); o diálogo contém geralmente um pequeno drama, com personagens vivas e animadas. São eles: Apologia de Sócrates, Críton, Hípias Menor, Alcibíades, Eutifron, Protágoras, Íon, Laques, Lísis, Cármides, Hípias Maior. Alguns destes diálogos foram escritos antes da primeira viagem.
2) Diálogos da maturidade: Sócrates é sempre o protagonista. Prevalece o ensino positivo; e, pela boca de Sócrates, Platão emite a sua própria doutrina: elaboração da teoria das Ideias. São os seguintes: Górgias, Ménon, Menêxeno, Eutidemo, Crátilo e, sobretudo, os quatro grandes diálogos clássicos: Banquete, Fédon, República, Teeteto. Estes diálogos foram escritos entre a primeira e a segunda viagem à Sicília.
3) Diálogos da velhice: nítida evolução na teoria das Ideias. Sócrates é relegado para último plano ou desaparece, até, do diálogo (Leis). O ensino é exclusivamente lógico; a forma dialogada já não é processo de exposição. São eles: Fedro (?), Parmênides, Sofista, Político, Filebo e, após a terceira viagem à Sicília, o Timeu, Crítias, Leis, Carta VII.