daimon ou daimonion

daímôn ou daimónion: presença ou entidade sobrenatural, algures entre um deus (theos) e um herói

Em grego antigo este termo tem dois sentidos, que sem se opor, são distintos: no singular, daimon designa uma divindade sem nome que intervem de maneira habitual na vida dos homens e que configura seu destino, que pode ser exemplificado pelo demônio de Sócrates, que orienta em suas ações; no plural o termo tende a significar divindades menores intermediárias entres os deuses e os homens, por exemplo Eros. [Notions philosophiques]


1. A crença em espíritos sobrenaturais um pouco menos antropomorfizados do que os Olímpicos é uma característica muito recuada da religião popular grega; um certo daimon está ligado a uma pessoa ao nascer e determina, para o bem ou para o mal, o seu destino (confrontar a palavra grega para felicidade, eudaimonia, que tem um bom daimon). Heráclito protestou contra esta crença (frg. 119; ver ethos), mas sem grande efeito. Na concepção xamanística da psyche, daimon é um outro nome para a alma (Empédocles, frg. 115), refletindo provavelmente as suas origens divinas e poderes extraordinários. Sócrates está, pelo menos parcialmente, dentro da tradição religiosa arcaica quando fala do seu «algo divino» (daimonion ti) que o aconselha a evitar certas ações (Apol. 31d; a sua operação é consideravelmente mais vasta no relato de Xenofonte nas Mem. I, 1, 4); notável é o uso constante que Sócrates faz da forma impessoal da palavra ou do sinônimo «sinal divino» (ver Fedro 242b), talvez a ligeira correção do racionalista daquilo que era uma crença popular contemporânea na adivinhação, mensagens de sonhos divinos, profecias, etc, uma crença que Sócrates compartilhava (Apol. 21b, 33c, Críton 44a, Fédon, 60c; ver mantike). É provavelmente um erro pensar que Sócrates ou os seus contemporâneos distinguissem com muito cuidado daimon de theion, visto que a defesa socrática contra o ateísmo na Apol. 27d, assenta num argumento de que acreditar nos daimones é acreditar nos deuses.

2. A ideia do daimon como uma espécie de «anjo da guarda» ainda é visível em Platão (Republica 620d), embora uma tentativa de fuga ao fatalismo implícito na crença popular pelo fato das almas individuais escolherem já o seu próprio daimon (Republica 617e). Se este daimon individual está ou não dentro de nós foi muito discutido na filosofia posterior. Num passo (Timeu 90a) o próprio Platão o identifica com a alma e pode ver-se um reflexo disto, por exemplo, em Marco Aurélio II, 17, III, 16 (ver noesis 17).

3. Mas uma outra noção, a do daimon como uma figura intermédia entre os Olímpicos e os mortais, está também presente em Platão, v. g. o Eros «demoníaco» no Symp. 202d-203a, e os regulamentos nas Leis 714a-b. Esta posição teve larga voga entre os transcendentalistas posteriores das tendências neopitagórica e platônica; os verdadeiros deuses (ver ouranioi) habitavam o aither enquanto os daimones menores habitavam o aer inferior e exerciam uma providência directa (ver pronoia) sobre as ações dos homens (D. L. VIII, 32).

4. Plutarco tem uma demonologia altamente desenvolvida (De def. orac. 414f-417b), e com o seu típico conservantismo religioso ele delineia o culto desses intermediários recuando até as fontes oriental e grega primitiva (v. g. Hesíodo, Erga 159-160; confrontar Platão, Republica 468e-469b), e Empédocles (ibid. 419a; o seu relato da origem dos daimones encontra-se em De gênio Socr. 591c-tf). Uma fonte omitida por Plutarco é o contato com a tradição semítica, ligação explícita em Fílon que identificara anteriormente os daimones da filosofia grega com os anjos da tradição judaica (iraniana?) (De somn. 141-142, De gigant. 6-9). [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]


O termo daimon foi traduzido de diversas maneiras: “espírito” (Armstrong), “espírito celeste” (MacKenna), “demônio” (Faggin e Igal) e ainda outros por “gênio”. Sommerman prefere não traduzi-lo, mas transliterá-lo, pois traduzi-lo por “espírito” lhe parece reduzir um pouco a abrangência do termo conforme definido no Tratado 15 (neste caso “gênio” seria melhor) e traduzi-lo por “demônio” remeteria imediatamente o imaginário do leitor ao oposto do significado deste termo na tradição platônica e neoplatônica, segundo Sommerman. Em outra nota de sua tradução de alguns tratados, Sommerman afirma que as traduções mais precisas para esse termo seriam “anjo guardião” ou “gênio”.

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