Damascius – Dos primeiros princípios I.1

(Damascius2010)

Nesta discussão inicial, o tema é a relação entre o primeiro princípio e todas as coisas. Se o primeiro princípio é transcendente, então ele não pode estar relacionado a todas as coisas como um primeiro princípio. Se o primeiro princípio está relacionado a todas as coisas, ele se torna um membro de todas as coisas e deixa de ser um primeiro princípio. Logo no início, ao colocar o Uno no mesmo nível que todas as coisas, Damáscio inverte a ordem de exposição empregada por todos os neoplatônicos em sua reificação das hipóteses de Parmênides e, em particular, viola a Proposição 7 dos Elementos de Teologia de Proclo, que afirma que “toda causa propriamente dita transcende seu efeito”. Assim, Damáscio começa sua obra criticando os princípios centrais da metafísica procliana, tal como expressos nos Elementos de Teologia. A doutrina de Proclo sobre a doação não diminuída representa sua formalização da teoria da emanação já articulada nas Enéadas. De acordo com Proclo, o Uno preserva sua transcendência em seu aspecto como causa de todas as coisas, e a transcendência do Bem é expressa na Proposição 8 dos Elementos: “tudo o que de alguma forma participa do Bem está subordinado ao Bem primal, que nada mais é senão o Bem”. Juntas, essas duas proposições demonstram que o primeiro princípio é o Uno, fonte de todas as coisas e que transcende todas as coisas. Esses são os pilares do sistema procliano, enquanto Damáscio, desde o início, problematiza justamente essa estrutura.

Ao criar um argumento que visa mostrar a circularidade do esquema de transcendência de Proclo, Damáscio possivelmente está utilizando ataques céticos ao conceito de causalidade como um todo. Nos Esboços Pirronianos III.20–22, Sexto Empírico discute argumentos céticos destinados a mostrar a inconcebilidade das causas. Esses argumentos visam a correlação conceitual entre causa e efeito: é difícil conceber uma causa sem compreender a ideia de um efeito. Essa interdependência conceitual parece ser o que Damáscio objeta no caso do primeiro princípio. Ser uma causa já é existir em relação a um efeito. Assim, a noção de uma causa transcendente lhe parece duvidosa. Os céticos também examinaram o aspecto temporal da causalidade. Sexto argumenta (Esboços Pirronianos III.25) que, como uma causa implica seu efeito enquanto causa, causa e efeito devem ser simultâneos. Mas, como uma causa produz seu efeito, a causa deve preceder seu efeito. Portanto, as causas tanto precedem quanto não precedem seus efeitos. A estrutura desse argumento é claramente discernível no capítulo inicial dos Problemas e Soluções: aqui Damáscio reclama que o Uno deve preceder todas as coisas, já que as produz, e ainda assim deve ser simultâneo a todas as coisas, pois está relacionado a elas como sua causa. Novamente, o Uno tanto precede quanto não precede todas as coisas.

Damascius-I-§§1a4

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