Dialética (dialektikê)
I. O adjetivo dialektikos, que está na base do nome dialektikê, não é atestado antes de Platão. Com o auxílio do sufixo de pertencimento “-ikos ” ele é formado do substantivo verbal dialektos (linguagem, modo de falar), que por sua vez deriva do verbo dialegesthai, “conversar”.
É plausível supor, com Muri (1944), que Platão, que normalmente evita fixações terminológicas, tenha utilizado o neologismo dialektikos para caracterizar a sistematização do dialegesthai (sustentado por um determinado êthos) do Sócrates platônico como um método de obtenção de conhecimento filosófico. É característico do dialegesthai socrático o empenho intransigente na justificação ou fundamentação (logon didonai) de posições alheias e próprias, como no exame com vistas à coerência (elenchos). Como significante-mente o destinatário, e não o defensor de uma tese, deve decidir o que necessita de fundamentação, o diálogo é para Sócrates a forma natural para argumentação e não, por exemplo, o longo discurso monológico (cf. Prot. 329a ss.), que, pelo silêncio, se priva da justificação, tal como o logos fixado por escrito (cf. Fedro 275d). Platão tenta solucionar o evidente dilema que surge para o diálogo escrito mediante a revelação de um segundo nível do diálogo, um nível, por assim dizer, virtual, em que o leitor é tentado a se envolver na respectiva situação problemática, como mostrou sobretudo Heitsch (1984; 1988; 1992).
Para a atribuição de predicados de valor P como corajoso, prudente ou justo, Sócrates considera necessária uma forma especialmente exigente de justificação, a saber, a resposta à pergunta “o que é ser P”, cuja semântica conduz, em última análise, à suposição do SER eidético (da “doutrina das ideias”). Por isso, é coerente que a concepção que se desdobra de dialética no sentido de uma arte da justificação permaneça sempre relacionada ao âmbito do ser eidético.
Como especialista no dialegesthai, o dialektikos é aquele que, como informa o Crátilo, sabe formular perguntas e responder (ton … erôtan kai apokrinesthai epistamenon, 390c), que sabe, portanto, os modos básicos da comunicação em geral.
Por isso, ele dispõe da competência crítico-linguística para inspecionar o trabalho do nomeador (onomaturgu, 389a), para especialmente examinar se seus produtos, os nomes, cumprem sua definição como instrumentos (organon) do ensino e da diferenciação do ser (diakritikon tês ousias, 388c), uma definição que os livra (ainda que não livre sua forma sonora, como mais tarde fica claro (435a-c)) da arbitrariedade da convenção e põe sua “exatidão” numa base objetiva (“natural”). A avaliação critica da LINGUAGEM pelo DIALÉTICO pressupõe, contudo, um acesso à realidade que é independente da linguagem, o que acaba por relativizar a linguagem como fonte genuína do conhecimento ou a elimina por completo (cf. 439a-b).
Numa hierarquia de disciplinas e avaliação delas, o dialético também obtém uma posição capital no Eutidemo num pensamento expresso supostamente por um jovem noviço (Clínias), aparentemente casual, que, no entanto, deve ser realmente atribuído a Sócrates, e segundo o qual geômetras, astrônomos e peritos em aritmética confiam os resultados e descobertas “caçados” por eles aos dialéticos, pois lhes falta o saber sobre seu uso correto (290c; quanto à classificação correspondentemente crítica das ciências em Rep. 511b, ver abaixo III). (SCHÄFER)