====== Filebo 38a-39c — Condições psicológicas do juízo ====== Sócrates – Com que calor, Protarco, tomas a defesa do prazer! Protarco – Nada disso; apenas repito o que ouço por aí. Sócrates – Não haverá, camarada, para nós diferença alguma entre o prazer associado à opinião verdadeira e o conhecimento, e o que, por vezes, vem de par com a mentira e a ignorância? Protarco – Tudo indica que a diferença não é pequena. XVIII – Sócrates – Então, passemos a considerar em que ponto eles diferem. Protarco – Dirige a discussão como achares melhor. Sócrates – Vou dirigi-la da seguinte maneira. Protarco – Como será? Sócrates – A opinião, é o que afirmamos, tanto pode ser verdadeira como falsa. Protarco – Exato. Sócrates – E muitas vezes, conforme explicamos agora mesmo, acompanham-lhes o rasto a dor e o prazer; refiro-me à opinião falsa e à opinião verdadeira. Protarco – Perfeitamente. Sócrates – E não será também certo que a opinião e o esforço de opinião sempre nascem da sensação e da memória? Protarco – Sem dúvida. Sócrates – E nesse particular, não será inevitável proceder da seguinte maneira? Protarco – De que jeito? Sócrates – Por vezes, não pode acontecer que, ao perceber de longe alguém um objeto que não se deixa destinguir claramente, não dirás comigo que essa pessoa deseja determinar o que seja aquilo? Protarco – Acho que sim. Sócrates – E nessas circunstâncias, não passará ela a interrogar-se a si mesma? Protarco – De que maneira? Sócrates – Que será o que parece estar embaixo daquela árvore, ao pé do morro? Não és de opinião que esse indivíduo dirija a si mesmo essa pergunta, quando perceber algo nas condições descritas? Protarco – Sem dúvida. Sócrates- E a seguir, se dissesse, como se falasse a sós consigo: é um homem, não responderia direito? Protarco – É evidente. Sócrates – Mas também poderá enganar-se, e, na suposição de que se trata de obra de algum pastor, dará o nome de imagem ao que percebesse naquele momento. Protarco – Exato. Sócrates – E no caso de haver alguém ao seu lado, explicar-lhe-á por meio da palavra o que falara para si mesmo, com o que dirá pela segunda vez a mesma coisa, transformando, assim, em discurso o a que antes dera o nome de opinião. Protarco – Nem poderá ser de outra maneira. Sócrates – Mas se estivar sozinho quando lhe ocorrer semelhante ideia, pode bem dar-se por algum tempo ele continue seu passeio sem comunicá-lo a ninguém. Protarco – Perfeitamente. Sócrates – E agora: pensarás exatamente como eu, a respeito dessa questão. Protarco – De que jeito? Sócrates – Acho que nessas ocasiões a alma se assemelha a um livro. Protarco – Como assim? Sócrates – A memória, em consonância com as sensações que dizem respeito àquelas ocorrências, é como se escrevesse, por assim dizer, discursos na alma; e quando o sentimento da ocorrência escreve certo, então se forma em nós opinião verdadeira, da qual também decorrem discursos verdadeiros; porém quando o escrevente que temos dentro de nós escreve errado, produz-se precisamente o contrário da verdade. Protarco – É exatamente o que eu penso, como também aprovo tudo o que disseste. Sócrates – Então, admite mais um obreiro que nessas ocasiões também trabalha em nossa alma. Protarco – Quem será? Sócrates – Um pintor que, depois do escrevente pinta na alma a imagem das coisas descritas por este. Protarco – Mas, como diremos que proceda, e quando é que se passa tudo isso? Sócrates – Quando, em decorrência de alguma visão ou de qualquer outra sensação, alguém leva consigo uma opinião pensada ou falada, e vê, de algum modo, dentro de si mesmo as imagens do que ele pensou ou disse. Não é isso que acontece com todos nós? Protarco – Sem tirar nem pôr. Sócrates – E não serão verdadeiras as imagens das opiniões e dos discursos verdadeiros, como serão falsas as das falsas? Protarco – Exatamente.