====== Sofista 246c-248a: Críticas, começando pelo materialismo ====== Estrangeiro – Dos que a fazem consistir de ideias, talvez o consigamos facilmente, por serem, de algum modo, mais tratáveis; porém dos que de viva força reduzem tudo a corpo, será muito mais difícil, senão mesmo impossível. Porém acho que com esses tais devemos proceder do seguinte modo. Teeteto – Como será? Estrangeiro – O melhor jeito, no caso de haver algum, é deixá-los realmente melhores. Porém se tal coisa for inexequível, admitamos, pelo menos em nosso discurso, que eles condescendem em responder com um pouco mais de cortesia. É de mais valia o assentimento de homens de bem, que não o de indivíduos sem préstimo. Aliás, o que importa não são as pessoas, mas apenas a verdade. Teeteto – É muito certo. Estrangeiro – Então, pede que te respondam os que se tornaram melhores, e atua como intérprete no que expuserem. Teeteto – Sim, façamos isso mesmo. Estrangeiro – Declarem, pois, se admitem que animal mortal é alguma coisa. Teeteto – E por que não admitir? Estrangeiro – E estarão de acordo em que seja um corpo dotado de alma? Teeteto – Perfeitamente. Estrangeiro – E a alma, eles incluem na categoria dos seres? Teeteto – Sim. Estrangeiro – E agora: a respeito da alma, não aceitam que alguma possa ser justa e outra injusta, ou esta sensata e aquela desarrazoada? Teeteto – Como não? Estrangeiro – E não é pela presença e posse da justiça que uma alma se torna justa, e pela do contrário, que se torna o oposto disso? Teeteto – É o que terão de conceder. Estrangeiro – Como decerto admitirão que é algo existente o que tanto pode estar presente a alguma coisa como estar ausente. Teeteto – Admitirão, sem dúvida. Estrangeiro – Ora, uma vez que existe a justiça, a sabedoria e as demais virtudes, e também seus contrários, bem como a alma, sede deles todas, como dirão que elas sejam: algo visível e palpável, ou todas serão invisíveis? Teeteto – Dizem que dificilmente qualquer delas poderá ser visível. Estrangeiro – E então? Afirmarão, porventura, que alguma é dotada de corpo? Teeteto – Neste ponto, não respondem de modo simples; para eles a alma seria dotada de uma espécie de corpo. Quanto à sabedoria e tudo o mais a respeito do que lhes perguntaste, envergonhar-se-iam, sem dúvida tanto de afirmar que carecem absolutamente de existência, como de teimar que todas têm corpo. Estrangeiro – Salta aos olhos, Teeteto, que os homens ficaram mais tratáveis, pois os que foram semeados e são legítimos autóctones, de jeito nenhum se envergonhariam de sua afirmativa inicial, mas insistiriam que não existe em absoluto o que eles não possam esmigalhar entre os dedos. Teeteto – É assim mesmo que todos pensam. Estrangeiro – Voltemos a interrogá-los. Se se dispõem a admitir que alguma parte do ser, embora mínima, é incorpórea, é quanto nos basta. Terão agora de explicar o que há de comum, por natureza, nessa parte e em tudo o mais que tem corpo e a que eles visam quando declaram que não existem. Talvez se atrapalhem nessa resposta. Sendo esse o caso, verifica se, por sugestão de nossa parte, não estarão dispostos a aceitar e a reforçar a seguinte definição. Teeteto – Qual é? Enuncia-a logo, para vermos o que sairá disso. Estrangeiro – Declaro, então, que tudo o que possui uma determinada faculdade, seja de atuar de a algum modo sobre outra coisa, seja de sofrer a influência, embora mínima, do mais insignificante agente, mas que fosse uma única vez, é um ser real. Minha definição para explicar os seres é que não passam de capacidade ou força. Teeteto – Como não podem apresentar, assim de pronto, definição melhor, terão de aceitar essa. Estrangeiro – Muito bem. É possível que mais para diante tanto nós como eles mudemos de parecer. Por enquanto, aceitemos essa fórmula como expressão do nosso acordo. Teeteto – Certo.