====== Sofista 249d-264b: A natureza do Ser ====== Estrangeiro – E então? Não te parece que com essa definição já abarcamos muito bem o ser? Teeteto – Perfeitamente. Estrangeiro – Que pena, Teeteto! Pelo que vejo chegou a hora de termos de reconhecer quanto é ingrato nosso empreendimento. Teeteto – Como! Que queres dizer com? Estrangeiro – Pois meu bem-aventurado amigo não percebes que atingimos o ponto mais elevado da ignorância a seu respeito, muito embora tenhamos a presunção de haver dissertado com proficiência? Teeteto – Era realmente o que eu pensava; por isso mesmo, não compreendo como nos extraviamos a esse ponto. Estrangeiro – Considera com mais calma, depois de tudo o que admitimos até agora, se não poderiam apresentar-nos as mesmas perguntas que já formulamos aos que afirmam que o todo consiste no quente e no frio. Teeteto – Que pergunta? Aviva-me a memória. Estrangeiro – Perfeitamente. Esforçar-me-ei por fazer isso mesmo, interrogando-te como fiz com os outros, para, assim, avançarmos um pouquinho. Teeteto – Certo Estrangeiro – Muito bem. Não consideras como contrários movimento e repouso? Teeteto – Como não? Estrangeiro – No entanto, afirmas que os dois e cada um deles existem? Teeteto – Afirmo, sem dúvida. Estrangeiro – Quer dizer: aceitas que ambos e cada um em particular se movem quando lhes atribuis existência? Teeteto – Isso, não. Estrangeiro – Então achas que estão em repouso quando declaras que ambos existem? Teeteto – – De que forma? Estrangeiro – Sendo assim, concebes na alma o ser como um terceiro elemento acrescentado àqueles, por incluíres nele repouso e movimento. Foi levando em consideração sua comunhão com o ser, que concluíste pela existência dos dois. Teeteto – É bem possível que aceitemos o ser como um terceiro elemento, quando dizemos que o movimento e o repouso existem. Estrangeiro – Então, o ser não será a combinação de movimento e repouso, porém algo diferente de ambos. Teeteto – Parece. Estrangeiro – logo, por coerência com sua própria natureza, o ser não está nem em repouso nem em movimento. Teeteto – É possível. Estrangeiro – Para que lado, então, terá de volver o pensamento quem quiser adquirir noções precisas a respeito do ser? Teeteto- Para qual se voltará? Estrangeiro – Não me parece fácil decidir, porque se alguma coisa não se move, como não há de estar em repouso? E o que não repousa de maneira nenhuma, como não estar em movimento? Porém o ser se nos revelou como alheio a esses dois estados. Mas, será possível semelhante coisa? Teeteto – É absolutamente impossível. Estrangeiro – Sobre isso há uma particularidade que fora justo recordar. Teeteto – Qual é? Estrangeiro – Quando nos perguntaram a que poderíamos aplicar a expressão Não-ser, vimo-nos em grande perplexidade. lembras-te? Teeteto – Como não? Estrangeiro – E agora, será menor a dificuldade a respeito do ser? Teeteto – Sinceramente, Estrangeiro, me parece que a presente dificuldade é muito maior. Estrangeiro – Pois deixemos assim mesmo a questão inextricável. E uma vez que tanto o ser como o não-ser nos ensejam iguais perplexidade, há esperança de que tudo o que possa contribuir para Apresentar-nos um dos dois sob perspectiva mais clara ou mais escura nos será de igual auxilio com relação ao outro. E no caso de não podermos ver nem um nem outro, pelo menos firmemos o propósito de levar avante, da melhor maneira possível, nossas considerações a respeito dos dois, sem nunca separá-los. Teeteto – Ótimo.