====== Amor – Bem – Beleza (Ficino) ====== Ficino, 1594 Até aqui falamos sobre sua origem e nobreza. Agora creio que devemos falar sobre sua utilidade. E certamente é supérfluo enumerar cada um dos benefícios que o amor confere ao gênero humano, sobretudo quando podemos reduzi-los todos a ele. Pois tudo se resume nisto: que, uma vez evitado o mal, sigamos o bem. O mal do homem é o desonesto, seu bem é o honesto. Sem dúvida, todas as leis e disciplinas se esforçam para educar os homens nisto: que se afastem das coisas desonestas e se dediquem às honestas. E isso, as quase inumeráveis leis e ciências mal conseguem em muito tempo. No entanto, o amor sozinho o faz em pouco tempo. Pois a vergonha afasta o homem do desonesto e provoca seu desejo de se destacar no honesto. Nada é mais fácil e rápido do que o amor ensinar aos homens essas duas coisas. Quando dizemos amor, entendam desejo de beleza. Porque esta é a definição do amor em todos os filósofos. A beleza é uma certa graça que, principalmente e na maioria das vezes, nasce da harmonia de muitas coisas. E esta é tripla. Pois a graça que há nos espíritos vem da consonância de muitas virtudes. A que há nos corpos nasce da concordância de linhas e cores. E, da mesma forma, a graça altíssima que há nos sons vem da consonância de muitas vozes. A do espírito só é conhecida pela mente, a dos corpos pelos olhos, e a das vozes é percebida pelos ouvidos. Considerando, então, que a mente, a visão e a audição são as únicas coisas pelas quais podemos desfrutar da beleza, e sendo o amor o desejo de desfrutar da beleza, ele sempre se satisfaz com a mente, os olhos e os ouvidos. No entanto, qual é a atividade do olfato, do paladar e do tato? Esses sentidos percebem odores, sabores, calor ou frio, maciez ou dureza, ou coisas semelhantes. Em nenhuma dessas coisas, por serem formas simples, consiste a beleza humana. Porque a beleza do corpo requer a harmonia de vários membros. O amor considera o desfrute da beleza como seu fim. E esse pertence apenas à mente, à visão e à audição. O amor, portanto, se limita a esses três. E o apetite que segue os outros sentidos não se chama amor, mas desejo libidinoso e fúria. Além disso, se o amor pelo homem deseja essa própria beleza, e a beleza do corpo humano consiste em uma certa harmonia, e a harmonia é uma justa proporção, segue-se que o amor não deseja outras coisas senão aquelas que são moderadas, discretas e apropriadas. Assim, os prazeres do paladar e do tato, que são tão veementes e furiosos que afastam a mente de seu estado e perturbam o homem, não só o amor não os deseja, mas os abomina e foge deles, como coisas contrárias à beleza. A fúria do amor arrasta os homens aos excessos e, consequentemente, à falta de harmonia. E também parece atrair para a deformidade, enquanto o amor atrai para a beleza. A fealdade e a beleza são contrárias. Da mesma forma, parece que as inquietações que movem para essas coisas são contrárias entre si. Por isso, o desejo do coito, isto é, a união carnal, e o amor não são os mesmos movimentos, mas aparecem como contrários. E isso é atestado pelos teólogos antigos, que atribuíram a Deus o nome de amor. E também os teólogos posteriores o confirmaram totalmente. Pois nenhum nome conveniente a Deus é comum às coisas desonestas. Portanto, qualquer um em seu juízo perfeito deve evitar chamar temerariamente de amor, nome divino, às perturbações insanas. Que se envergonhe Dicearco e qualquer outro que ouse criticar a majestade platônica por atribuir demasiado ao amor. Pois os afetos decorosos, honestos e divinos jamais podemos atender em excesso, nem sequer o suficiente. Daí surge que todo amor é honesto. E todo amante é justo. Porque todo aquele que é belo e adequado ama também justamente as coisas propriamente adequadas. Considera-se, por outro lado, que o ardor desenfreado que nos arrasta à lascívia e nos empurra para a fealdade é contrário ao amor. E para retornar finalmente à utilidade do amor, o pudor que nos afasta do desonesto, e o ardor, que nos incentiva às empresas honestas, procedem do amor. Primeiro, porque o amor, que busca as coisas belas, sempre deseja as louváveis e magníficas. E aquele que odeia as feias deve sempre fugir das obscenas e indecentes. Depois, se dois se amam mutuamente, observam-se um ao outro, e ambos desejam agradar-se reciprocamente. Na medida em que um é observado pelo outro, como nunca estão livres de testemunhas, sempre se abstêm do desonesto. E na medida em que se esforçam para agradar um ao outro, sempre empreendem com empenho apaixonado coisas magníficas, para não serem desprezíveis aos olhos do amado, mas serem considerados dignos da reciprocidade do amor. Mas esse raciocínio Fedro o explica abundantemente e apresenta três exemplos de amor. Um, de amor de uma mulher por um homem, no qual fala de Alceste, esposa de Admeto, que desejou morrer em lugar de seu marido. Outro, de amor de um homem por uma mulher, como o de Orfeu por Eurídice. Terceiro, de amor de um homem por outro homem, como o de Pátroclo por Aquiles. Neles, demonstra que não há nada como o amor para tornar os homens mais fortes. Mas agora não aprofundaremos a alegoria de Alceste ou de Orfeu, já que essas histórias mostram muito mais a força do amor ao serem narradas como fatos ocorridos do que ao receberem um sentido alegórico. Portanto, proclamemos unanimemente que o amor é um deus grande e admirável, e além disso nobre e muito útil; e entreguemo-nos de tal modo ao amor que estejamos satisfeitos com seu fim, que é a própria beleza. Mas desfrutamos com aquela parte com a qual conhecemos, e conhecemos com a mente, com a vista e com o ouvido. Com os outros sentidos, gozamos não da beleza, que o amor deseja, mas sim de qualquer outra coisa que o corpo necessita. Portanto, com esses três buscaremos a beleza e, através dela, que se mostra nas vozes e nos corpos, como seguindo um rastro, investigaremos o decoro do espírito. A elogiaremos, a estimaremos como útil e sempre nos esforçaremos para conseguir isto: que o amor seja tão grande quanto tenha sido a beleza; e onde o corpo seja belo e o espírito não, mal e fracamente amaremos, como a uma sombra e imagem efêmera da beleza. Onde só o espírito for belo, amaremos ardentemente o que é estável e decoroso no espírito. Mas onde ambas as belezas concorrerem, amaremos veementemente. E assim demonstraremos que certamente somos da família platônica, pois esta não se interessa por nada além do que é festivo, alegre, celeste e divino. E baste isso quanto ao discurso de Fedro. Passemos agora ao de Pausânias.