Entre a concepção crematística de Céfalo e o paradoxo do Sofista, ficaram sem consistência os alicerces morais da Justiça. Por isso, no princípio do Livro II, se insiste em querer saber a natureza da justiça e da injustiça «sem ligar importância a salários nem a consequências» 1).
Os dois irmãos de Platão querem, portanto, a demonstração de que a justiça é intrinsecamente boa 2), Para tanto, Sócrates propõe-se apreciar os factos em grande escala 3), o que lhe facilitará a tarefa. Por conseguinte, transfere a sua análise do indivíduo para a cidade.
Descrevem-se então as transformações de uma cidade, que, de primitiva, se torna em luxuosa, motivo por que começa a precisar de uma especialização de tarefas cada vez maior. Essa cidade carece de soldados que a defendam e preservem - de guardiões com um treino próprio. A educação deve dar-se-lhes, pela música e pela ginástica, à maneira tradicional grega 4), principia a ser estudada em 376c, Mas música, para os Helenos, é a arte das Musas, em que a poesia não se dissocia dos sons. Ora as fábulas dos poetas, que costumam ensinar-se às crianças, estão repletas de falsidades sobre os deuses, a quem atribuem todos os defeitos, em vez de revelarem a divindade na perfeição dos seus atributos. No começo do livro já se haviam feito citações de versos que sugeriam que os deuses não eram garantia de justiça; agora declara-se abertamente que os poetas não servem para instruir a juventude.