Enéada VI, 1, 12 — A qualidade

12. – Mas se considerarmos que não é adequado dividir a qualidade dessa maneira, de que outra forma poderíamos fazê-lo?

– Devemos então considerar, uma vez que admitimos que certas qualidades pertencem ao corpo e outras à alma, se devemos dividir as que pertencem ao corpo de acordo com os sentidos, distinguindo as que se referem à visão, à audição, ao paladar e as que se referem ao olfato e ao tato.

– Como proceder com as que pertencem à alma?

– São as do apetite, do ardor e da razão. Ou então distinguimo-las pelas diferenças das atividades que correspondem a essas faculdades, porque são essas faculdades que geram essas atividades, ou distinguimo-las segundo são úteis ou prejudiciais, e então será necessário estabelecer ainda distinções entre as qualidades úteis e as prejudiciais. Ora, as mesmas diferenças valem para as qualidades corporais, que se distinguem ou pelo que produzem, ou pela sua utilidade ou nocividade. Essas diferenças pertencem propriamente à qualidade. Portanto, ou se admite que a utilidade e a nocividade provêm da qualidade e do qualificado, ou é preciso procurar outra forma de divisão. É preciso perguntar-se como é que aquilo que é qualificado por tal qualidade se encontra na mesma categoria; pois certamente não existe um género comum aos dois.

– Mas ainda mais: se «aquele que é apto para a luta» pertence à qualidade, como é que «aquele que é apto para agir» não pertence também? Se assim for, a aptidão para a ação também se enquadrará nela. Portanto, não há nenhuma obrigação de colocar a aptidão para agir entre os relativos, nem a aptidão para sofrer, se é verdade que “aquele que é apto a sofrer” pertence à qualidade.

Talvez fosse melhor colocar “aquele que é capaz de agir” na categoria da qualidade, se assim for chamado em função de seu poder, e se o poder é uma qualidade. Mas se esse poder, enquanto poder, pertence à realidade, então não é nem um relativo nem algo qualificado. Pois a aptidão para agir também não é como aquilo que é maior. O que é maior, de fato, só é maior em relação ao que é menor, enquanto a aptidão para agir deve sua existência ao fato de ser imediatamente o que é.

– Mas talvez ela seja, sob esse aspecto, uma qualidade, enquanto que, quando exerce seu poder sobre outra coisa, se fala dela como de algo relativo.

– Por que então “aquele que é apto para a luta” não seria também um relativo, e a técnica da luta também? Pois a técnica da luta é inteiramente relativa a outra coisa; de fato, não há nela nenhum objeto de estudo que não se refira a outra coisa. Talvez seja necessário considerar também as outras técnicas, ou pelo menos a maioria delas, e dizer o seguinte: na medida em que colocam uma disposição na alma, elas são qualidades; mas na medida em que produzem, elas são aptas a produzir e, por isso, estão relacionadas a outra coisa, e são relativas. Além disso, elas são relativas de outra maneira, na medida em que se diz que são estados.

– No que diz respeito a “aptas a produzir”, existe, portanto, uma existência diferente da aptidão para produzir, se não há nada além dessa qualidade?

– Sim, nos seres dotados de alma animal e ainda mais naqueles que fazem escolhas prévias, há sem dúvida, devido à sua inclinação para produzir, algo que também corresponde à sua aptidão para produzir.

– Mas no caso das potências desprovidas de alma, que chamamos de qualidades, o que dizer dessa capacidade de produzir?

– Sempre que uma coisa encontra outra, ela se beneficia e toma parte do que a outra possui.

– Mas se é a mesma coisa que age sobre outra e é afetada por ela, como pode ainda haver uma aptidão para agir?

– Certamente, o que em si mesmo tem três côvados é ao mesmo tempo maior e menor, dependendo da coisa que encontra. Mas, dir-se-á, o grande e o pequeno são assim por participação na grandeza e na pequenez, e o mesmo se aplica à aptidão para agir e sofrer. É preciso agora perguntar se as qualidades daqui e as qualidades de lá podem ser reduzidas a um único gênero, questão que se dirige àqueles que admitem que também existem qualidades lá. De fato, mesmo que não se admita a existência das formas, mas que, falando do intelecto, se diga que ele é um estado, devemos nos perguntar se há algo em comum entre o estado do além e o daqui. Sim, mas admitimos a existência do conhecimento. Se ele tem apenas o nome em comum com o conhecimento aqui, é evidente que não poderá ser contado entre as coisas aqui. Mas se o termo é sinônimo, a qualidade será comum ao que está aqui e ao que está lá; a menos que se diga que lá tudo é realidade, caso em que intelliger também será uma realidade. Além disso, é uma questão comum que se aplica a todas as categorias: existem dois gêneros, um aqui e outro lá, ou os dois são um só?