É preciso perguntar ainda se há atos que parecem incompletos na medida em que não se prolongam no tempo, de tal sorte que chegam a ser idênticos a movimentos: por exemplo, o fato de viver ou a vida. A vida de cada indivíduo se situa, de fato, em um tempo acabado, e a felicidade não é um ato que se sustenta em um momento indivisível, e, estimam, o mesmo ocorre com o movimento. Assim, pode-se dizer da vida e da felicidade que são ambos movimentos, e que o movimento é uma coisa única, um gênero único, que se vê acompanhar a realidade, assim como o fazem a quantidade e a qualidade, pois o movimento pertence também à realidade. Ou ainda, se desejar, é preciso dizer que, dentre os movimentos, uns são movimentos do corpo, outros movimentos da alma. Ou ainda, que uns têm as próprias coisas em movimento como ponto de partida quando os outros vêm de outras coisas e nelas se completam. Ou ainda, que uns vêm das próprias coisas em movimento quando os outros vêm de outras coisas: aqueles que vêm das coisas em movimento são ações exercidas sobre outra coisa ou ações independentes, e aqueles que vêm das outras coisas são paixões. – E, no entanto, os movimentos transmitidos a uns são idênticos aos movimentos que procedem dos outros. O corte que vem daquele que corta e o corte naquele que é cortado são, de fato, uma só e mesma coisa; mas cortar e ser cortado são coisas diferentes. – Por que deveriam ser uma só e mesma coisa o corte proveniente daquele que corta e o corte naquele que é cortado? A ação de cortar consiste no fato de que tal ato ou tal movimento produz naquilo que é cortado um outro movimento que sucede ao primeiro. – Mas bem poderia ser que a diferença não consistisse no próprio fato de ser cortado, mas sim no resultado que se acrescenta a esse movimento, a dor por exemplo. E de fato o padecer está aí. – Mas o que ocorre se não há dor? O que há de outro senão o ato daquele que age sobre essa coisa particular? Pois nesse caso também se fala de « agir ». Desse fato, a palavra tem dois sentidos: um designa o agir que não se produz em outra coisa, enquanto o outro designa o agir que se produz em outra coisa. Não se trata mais de uma distinção entre o agir e o padecer, mas é o fato de agir em outra coisa que levou a supor que há duas coisas: o agir e o padecer. Escrever, por exemplo, mesmo que seja agir em outra coisa, não implica o padecer, pois essa ação não produz na tabuleta nada além do ato daquele que escreve; ela não faz sofrer, por exemplo. – E se alguém diz que a tabuleta recebe a escrita? – Isso não é falar de padecer. Quanto à caminhada, mesmo que se caminhe sobre a terra, não se vai acrescentar que a terra padece. Mas quando alguém caminha sobre o corpo de um animal, imagina-se que o animal padece, pensando no sofrimento que se acrescenta à caminhada, e não na caminhada em si, pois, de outra forma, ter-se-ia pensado nisso antes. Assim, em todos os casos, agir não faz mais que uma só e mesma coisa com o que se chama padecer, se padecer é tomado apenas no sentido inverso de agir. Mas padecer designa o que vem a ser em seguida, e não o inverso do agir, como por exemplo queimar é o inverso de ser queimado, e é o resultado dessa ação que consiste ao mesmo tempo em queimar e ser queimado, ou seja, o que se produz depois no objeto queimado, seja a dor ou outra coisa, como o fato, por exemplo, de ser consumido. – Mas, e se se empreende essa ação particular para fazer sofrer, não é verdade que uma das partes age, enquanto a outra padece, mesmo que a ação e a paixão venham de um só e mesmo ato? – Não, nesse ato, ainda não se encontra a intenção de fazer sofrer, mas se faz algo diferente, que dá lugar ao sofrimento, que, ao se produzir naquilo que vai sofrer, forma uma só e mesma coisa com o ato, e que produz outro efeito: o sofrimento. – O quê! Essa única e mesma coisa, que se produz antes de fazer sofrer ou mesmo sem fazer sofrer, não representa um padecer para aquilo sobre o qual ela se exerce, por exemplo o fato de escutar? – Não, escutar não é padecer, nem sentir em geral; mas sofrer uma dor, isso sim é padecer, e esse padecer não corresponde a um agir.