Enéada VI, 3, 14 — Sobre a figura

– Mas o que é uma linha reta? Não é uma grandeza? – Sim, pode-se dizer que a linha reta é uma grandeza qualificada. – Mas então o que impede que «reta» seja uma diferença específica da linha enquanto linha, pois o «reto» não pertence a nada além da linha enquanto linha; nós bem que emprestamos da qualidade as diferenças específicas da realidade. Se, portanto, uma linha é reta, é uma quantidade com uma diferença específica, e por essa razão a linha reta não é um composto de «retidão» e de linha; mas se é um composto, é à maneira de um gênero com uma diferença específica. – E se uma figura é feita de três linhas, o triângulo, por exemplo, por que não colocá-la na quantidade? – Porque o triângulo não são pura e simplesmente três linhas, mas três linhas dispostas de uma certa forma; e o quadrilátero são quatro linhas dispostas de uma certa forma. – A reta é uma linha disposta de uma certa forma e uma quantidade. Mas se dissermos que a reta não é apenas uma quantidade, o que nos impede de dizer que a reta limitada não é apenas uma quantidade? – Não se pode dizer isso. O limite da reta é o ponto, e o ponto só pode ser encontrado do lado da quantidade. – Mas então a superfície limitada é uma quantidade, já que seus limites são linhas, que se encontram do lado da quantidade, mais ainda que o ponto. Consequentemente, a superfície limitada, quadrado, hexágono ou polígono, e todas as figuras estão, portanto, na quantidade. – Mas se, porque dizemos que os triângulos estão do lado da qualidade, assim como o quadrilátero, nós os colocamos na qualidade, nada nos impede de colocar a mesma figura em várias categorias. Enquanto é uma grandeza e uma grandeza de um certo tamanho, essa figura se encontra na quantidade, mas enquanto apresenta tal forma, ela se encontra na qualidade. – Não, porque é o triângulo enquanto triângulo que apresenta tal forma. – Mas então, o que impede a esfera de ser também uma qualidade? E se continuássemos nessa via, a geometria não versaria, portanto, sobre as grandezas, mas sobre a qualidade. No entanto, é de opinião que não é assim, e que a geometria versa bem sobre as grandezas. O fato de as grandezas terem diferenças não leva a negar que são grandezas, assim como o fato de as realidades apresentarem diferenças não impede as realidades de permanecerem realidades. Além disso, toda superfície é limitada, pois não pode haver superfície ilimitada. Além disso, assim como, quando apreendo uma qualidade ligada a uma realidade, digo que é uma qualidade «essencial», da mesma forma, e com mais forte razão, quando apreendo figuras, apreendo diferenças na quantidade. Mais uma coisa: se não se quer considerar essas diferenças como diferenças de grandezas, de que serão elas diferenças? E se são diferenças das grandezas, as diferentes grandezas que delas resultarão deverão ser colocadas no rol das espécies.