Ficino (TP:18.X) – Maneiras de viver

Mas voltemos agora às maneiras de viver. Quando as tivermos classificado, compreenderemos como são distribuídas as recompensas e as punições. Mas antes de distinguir essas maneiras de viver, é preciso lembrar que os bons costumes só conduzem assim à felicidade se forem buscados com um amor particular por Deus, autor da felicidade, enquanto os maus, ao contrário, precipitam geralmente no infortúnio as almas nas quais todo amor por Deus está extinto. Daí a palavra de Platão: “Para o sábio, a lei é Deus, para o insensato, é o prazer”. Do mesmo modo esta observação: “Feliz será aquele que se submete com toda humildade à lei divina, mas infeliz aquele que a despreza com orgulho”.

Segundo seus costumes, os homens se dividem em quatro categorias: o temperante, o continente, o incontinente e o intemperante. O temperante é aquele cuja razão julga com exatidão e cujos desejos sensuais se submetem voluntariamente à razão. O continente é aquele cujo juízo também é correto, mas cujos desejos têm dificuldade em se submeter à razão. O incontinente é aquele em quem a agitação dos sentidos domina, embora a razão não julgue mal. O intemperante é aquele em quem a razão está ou adormecida ou deformada pelo domínio excessivo dos desejos, onde tudo se faz sob o império da fantasia e a razão não se opõe ao desejo. Quando falamos aqui de temperança ou continência, entendemos, como Platão, a composição ou disposição da alma contra toda espécie de agitação, de modo que nessas duas virtudes estejam compreendidas todas as obrigações das virtudes morais.

Além disso, quando colocamos a fantasia na alma separada, entendemos por fantasia, seja como Platão, o sentido íntimo situado no veículo etéreo e aéreo, mas com a paixão, particularmente no aéreo, ou como os Peripatéticos, sobretudo Avicena, o desejo e o hábito da parte racional que concebeu em si mesma ao obedecer aos sentidos e que a inclina para as paixões corpóreas e a atrai para a matéria. Por isso Avicena diz que a alma, aqui e na outra vida, é desviada do mundo inteligível e voltada para o sensível, por assim dizer naturalmente, sem escolha ou reflexão.

Voltando ao nosso assunto, na alma temperada, só a potência nutritiva sustenta o corpo; a fantasia não o ama, a razão o detesta. Em consequência, quando a tarefa de prover às necessidades do corpo é cumprida, a potência vivificante está, por assim dizer, satisfeita com seu veículo, todas as outras potências da alma que permanecem, conforme o hábito que haviam contraído no homem temperado, dedicam-se à consideração da verdade em todas as coisas e isso com mais ardor que antes. Ardor tanto maior quanto mais livres se tornaram. Todas, portanto, retornam de uma só vez, num impulso comum e pelo carro etéreo, ao éter.

A alma do homem continente, como a do homem temperante, dirige-se certamente para o céu, não imediatamente, mas após um breve intervalo. Pois nela, o desejo da fantasia estava acostumado a obedecer com dificuldade à razão, devido aos encantos ou temores que o corpo lhe inspirava. Por isso, no momento da morte, ela abandona os bens corpóreos com pesar e, por esse pesar, invade por algum tempo a ponta da razão. Mas a razão, que geralmente tinha a última palavra, impõe-lhe silêncio. Em consequência, assim que o pesar da fantasia é aplacado e a névoa dissipada, a centelha celeste brilha e, todas as potências da alma estando de acordo, ela revê a pátria celeste.

O incontinente, ao contrário, liberta-se lentamente desses laços, o intemperante nunca, porque suas almas, corrompidas pelas paixões corpóreas, caíram nesta vida em tal loucura que imprudentemente preferiram as sombras dos bens aos verdadeiros bens e amaram ou temeram essas sombras. Por isso, após esta vida, são necessariamente atingidos pela mesma loucura, o incontinente por muito tempo, o intemperante para sempre.

De fato, a loucura do incontinente encontra algum remédio porque, embora o distúrbio da fantasia geralmente comande como senhor, a razão, no entanto, durante a vida, adquiriu o hábito de lhe resistir às vezes. Da mesma forma, após a morte, ela também protesta contra a loucura da fantasia em delírio e lamenta estar privada da posse das realidades superiores. Esse protesto e esse pesar enfraquecem pouco a pouco o poder e o ato dessa fantasia, sobretudo porque faltam os estímulos corpóreos que a alimentam e todos os que são atormentados pelo tédio de uma longa doença ouvem voluntariamente o médico que deve tratá-los, e ocorre neles exatamente o que ocorre com um homem que, vítima de pesadelos horríveis sem cair em sono profundo, diz a si mesmo que talvez esteja dormindo naquele momento e seja atormentado por preocupações vãs. Então seu terror e tormento diminuem. O mesmo talvez aconteça no inferno com o incontinente, e, onde diminui o tumulto da fantasia em delírio, o poder da razão liberada aumenta na mesma medida. Assim, a alma finalmente liberta alcança a felicidade.

Quanto à alma do intemperante, dado que durante sua vida sua razão dormia profundamente ou obedecia completamente aos desejos dos sentidos, segue-se que ela traz consigo, como uma natureza, uma inclinação irresistível para o corpóreo. O estado dessa alma é tal como descreve Orfeu: “Impossível forçar os portões do reino de Plutão; dentro está o povo dos sonhos”. No sétimo livro da República, Platão diz que essa alma dorme profundamente nesta vida, que deixa a vida antes de acordar e que, após a morte, é sobrecarregada por um sono mais profundo e perturbada pelos sonhos mais terríveis, o que se chama mais particularmente de Tártaro. Segundo Platão, ela é levada por um amor excessivo pelo corpo elementar. Portanto, quando seu corpo terrestre se desfaz, ela imediatamente refaz outro com os vapores dos elementos. Ela o refaz, por assim dizer, conforme seu capricho, com uma matéria flexível. Com um único sopro, ela refaz a cada dia, como ao respirar, esse corpo que continuamente se dissolve. Ele acrescenta que essa alma é reconduzida por uma afeição persistente ao corpo e à região elementar para os quais havia sido inclinada.