Princípio, para o licopolitano, não se reverte de sentido lógico aristotélico, mas tem significação ontológica, porque o Uno gera o que vem depois dele, não-movido por cego instinto, mas porque é plenitude transbordante. (ULLMANN)
“É preciso que exista algo simples anterior a todas as coisas e que isso seja diferente de todas que são posteriores a ele, existente em si mesmo, não misturado com as coisas que dele derivam, e que possa no entanto, de modo diferente, estar presente nelas como distinto delas, sendo realmente uno, não outra coisa e então uno (…), porque, se ele não for simples, exterior a toda combinação e composição, e realmente uno, não seria o princípio – e ele é o mais autosuficiente de todos por ser simples e anterior a todas as coisas.” (V. 4 (7) 1.5-13)
A existência de um princípio primordial absolutamente uno não é uma questão para Plotino, é um fato, demonstrado por duas evidências. A primeira é a existência da multiplicidade: se há multiplicidade, há uma unidade anterior, pois a multiplicidade é posterior à unidade. Este é um axioma importante no pensamento grego e fundamental para Plotino (Cf. III. 8 (30) 9-10; V. 3 (49) 12. 10-14; V. 5 (32) 4. 1-6; VI. 9 (9) 1-2. As implicações metafísicas desse axioma são expostas organizadamente por Proclo, nas seis primeiras proposições de seus Elementos de Teologia (veja-se também o comentário de Dodds, 1963, pp. 188-193).). A segunda evidência é que “não há ente que não seja uno” (VI. 6 (34) 13. 50): a existência de todas as coisas é possível apenas porque o uno existe e porque elas são unidades; se perdem sua unidade, perdem também a existência: o homem, por exemplo, existe enquanto seu corpo é uma unidade vital, mas, se ela se desfaz, sua existência se aniquila (VI. 9 (9) 1. 3ss.; cf. V. 3 (49) 15.11-15). A unidade que preserva a existência dos entes é, para Plotino, prova inegável de que o uno existe e, principalmente, de que há um pouco dele em nós (III. 8 (30) 9.22-24).
Observando que é a unidade que preserva a existência, imediatamente somos levados a procurar o princípio que concede unidade aos entes. Nossa busca não prossegue infinitamente, pois logo descobrimos aquilo que não recebe sua unidade de um princípio anterior, mas é absolutamente uno por si mesmo, sendo assim o princípio de toda unidade e existência (III. 8 (30) 10. 20-26). De todos os modos, somos obrigados a remontar ao uno (III. 8 (30) 10. 20; V. 4 (7) 1.2 e V. 5 (32) 4.1).
Naturalmente, vêm-nos à memória algumas passagens de Aristóteles (Cf. Metafísica Γ 2,1003b 22-34; Ι 2,1054a 9-19; Κ 3,1061a 10-18), para quem o termo “uno” é correlativo à substância e não existe em si mesmo. Para Plotino, no entanto, a unidade intrínseca de cada ente é sua verdadeira essência e todas as unidades se arranjam hierarquicamente, compondo uma estrutura universal de gradações da realidade, sendo cada uma das unidades aquilo que é através da presença da unidade primordial. Ao examinar mais profundamente essas asserções, Plotino conclui ainda que: (i) uma unidade particular não é absolutamente una porque ela é membro de uma pluralidade; (ii) “uno” é predicado de coisas inteligíveis e sensíveis em sentidos diferentes; (iii) mesmo entre sensíveis, há graus diferentes de unidade; (iv) todos os entes anseiam por unidade consigo mesmos ou com outros; e (v), tanto individual quanto universalmente, o uno é princípio (arché) e fim (télos) (VI. 2 (43) 10-11; cf. Bussanich, 1988, pp. 111-112). (BARACAT)