A culminância da dialética plotiniana é a união mística com o Uno, numa contemplação extática, segundo foi exposto, com maior profundidade, no capítulo anterior. Hénosis é a palavra grega para designar essa união. No caminho da “conversão”, que caracteriza o itinerário da “inteligência espiritual” no homem, Plotino aponta para além da intelecção, para a pura intuição do Uno, que é simples e sem alteridade. Aqui, a alma prescinde de toda razão discursiva e de toda ciência. Trata-se de um estado hiper-racional, que tem como um dos momentos preparatórios a reflexão, a virtude, a ascese.
O que significa união mística? Uma co-presença com o divino, atemporal, em que a alma entra na posse e unidade máxima de si mesma, para alcançar a similitude com o Uno (homoíôsis tô Theô). Pela hénôsis, é superada a distância entre a alma pura e a divindade e alcança-se a perfeita unificação com Deus já nesta vida.
Mística deriva do verbo grego myô e significa fechar-se; especialmente fechar os olhos, recolher-se. Por isso, mystikón é o oposto de phanerón (aberto, manifesto). Em Plotino, a mística é pensada como háplôsis, isto é, como máxima simplificação da alma racional, quando ela se retrai para o fundamento do seu ser. Para que se dê tal união, misteriosa, secreta, indizível, com o Uno, é mister deixar atrás de si a matéria. Não se trata, pois, na mística, de um sonho de visionário, nem é identificável com transes xamânicos ou com o enthousiasmós dos órficos e dos participantes dos ritos dionisíacos. A mística plotiniana não é deificação, mas assemelhação com Deus.
Na vivência da união mística, a alma entra, pelo assim dizer, no Santo dos Santos, que representa o abandono das imagens (as estátuas dos deuses) as quais simbolizam o singular ou o muito1). Aqui a alma repousa como Deus, no sétimo dia. Muitas vezes, também os místicos descrevem a sua união com Deus como a entrada num deserto. Deserto, aqui, não significa lugar vazio, mas é uma analogia, para representar a solidão da alma com o Uno. Tudo a alma abandonou (deserere, em latim), para defrontar-se com a dimensão divina. Então, a alma está despojada de tudo. Cumpriu o áphele pánta. É o instante da contemplação, com plena felicidade (En. VI, 7,31), numa vivência suprassensível, transracional, atemporal. É descanso no Uno2). Ek-stasis equivale ao excessus mentis dos medievais, ao arrebatamento (rapto) de Paulo, descrito em 2Cor 12, 2ss3). Somente o puro pode contemplar o Puro.
Não se pense, porém, que o êxtase seja dissolução do eu. Não é anulação, nem deificação, mas assemelhação com Deus4). (Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R. A. Ullmann)